Capítulo 41

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Elain não sabia bem o que a fez caminhar até a barraca de Lucien. Tinha esse anseio de se explicar, de dizer a ele que o que vira mais cedo não era nada do que parecia.

Havia sido pega de surpresa, tanto pelo abraço de Cedric quanto pelo rosnado gutural que o seguiu. A fêmea ficou chocada ao olhar para fora de sua barraca a tempo de ver a cabeleira ruiva do parceiro acendendo-se como uma pira conforme ele caminhava entre as outras barracas, furioso. Elain tentou segui-lo imediatamente, mas Cedric a impediu, dizendo-lhe que, no estado em que parecia estar, Lucien poderia ser perigoso. Ela absteve-se de retrucar dizendo que Lucien nunca seria perigoso para ela, assim como ela nunca seria para ele, apesar do que se passou na clareira tantas semanas antes.

Elain levara dias para recuperar completamente o controle sobre si mesma. Parecia que seu poder, aquela onda que a consumia de dentro para fora, deixando seus braços e pernas dormentes, a levaria para outro mundo. Sua visão parecia ter vida própria, ela não se sentia como ela mesma, não agia como ela mesma. Aceitou o poder por medo de Lucien mandá-la de volta para casa e ela não ter sequer a chance de mudar o destino dele, mas não queria que aquilo a dominasse. Foi assim depois que saiu do Caldeirão, foi assim depois que retornou à clareira. Sentia-se dormente, como se não pertencesse exatamente àquele lugar; metade de si no presente, metade no futuro. Vislumbrava coisas e pessoas e sentimentos e cheiros e barulhos, mas era incapaz de dizer o que era real e o que era fruto de sua visão. Recuperou-se apenas quando os primeiros enfermos começaram a se juntar à pequena procissão deles pelo centro do território Primaveril; então tinha com o que se ocupar e, lentamente, dia após dia, foi recuperando o controle de si.

Mas naquele dia específico, Elain não se sentira muito bem. Sabia exatamente que dia era aquele, mas não podia contar a ninguém. Era um fardo dela, apenas dela. Cedric foi um tolo em arrumar tal festa, a fêmea realmente não estava afim de comemorar, muito embora jamais diria aquilo a ele. Agora, no entanto, todas as outras preocupações se esvaziaram de sua mente, conforme Elain mirava um Lucien trêmulo, pálido e ofegante.

Sem pensar duas vezes, entrou na barraca, já perguntando:

- Lucien? Está me ouvindo? Está tudo bem?

Olhou rapidamente ao redor. A barraca, que ela sabia que era sempre organizada e arrumada, estava um caos: havia coisas espalhadas por toda parte, borrões chamuscados na parede de tecido, papéis queimados ou amassados ou rabiscados adornavam o chão. De fato, havia até mesmo um pequeno monte de brasas queimando próximo a cama improvisada. Elain foi até lá primeiro, pisando nas cinzas para extinguir qualquer possível risco de incêndio que poderia causar, antes de virar-se novamente para o parceiro. Ele ainda a encarava, como se ela fosse uma miragem, uma alucinação.

Preocupada, Elain se adiantou até ele e abaixou-se à sua frente, retirando cuidadosamente o antigo pergaminho de suas mãos trêmulas e suadas. Lucien apenas a encarava e encarava e encarava, sem piscar. Estava começando a ficar com medo daquilo quando esticou a mão para remover alguns fios do cabelo ruivo que grudavam na testa do macho.

- Pelos Deuses, fale comigo, Lucien. Está tudo bem?

O macho estava muito quente, mas ela não sabia dizer se estava febril ou se era o calor natural do fogo em suas veias.

- Estou bem. - Ele disse, depois do que pareceu uma eternidade de silêncio etéreo. - O que faz aqui?

- Estava preocupada... - Respondeu, franzindo o cenho. - Você não parece bem.

- Estou bem. - Lucien repetiu, tentando levantar-se, mas pateticamente falhando e desabando novamente na cadeira. - Só preciso de um tempo. Foram muitas informações de uma vez só. - Apontou com o polegar para uma caixinha contendo inúmeros pergaminhos. - Volte para Cedric, ele deve estar preocupado.

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