Elain acordou devagar, recusando-se a abrir os olhos enquanto a sempre bem-vinda onda de torpor do sono se esvaía pouco a pouco de seu corpo. A consciência tomando forma lentamente; voltava a sentir os membros inferiores, remexendo os pés. Sentiu uma fina manta de algodão sobre si, e o cheiro que permeava o tecido a deixava levemente ruborizada mesmo na semi-consciência - era o cheiro de Lucien. Um gemidinho escapou por sua garganta e a fêmea não se conteve ao subir a manta até o queixo, enrolando-se ainda mais naquele casulo quente e confortável. Sabia que deveria ter caído no sono profundo em algum momento entre a conversa com Lucien e o carinho suave que este fazia em seus cabelos.
Tão logo a consciência ia atingindo sua mente, Elain lembrava-se da noite anterior. Aos poucos recordava-se da voz de Lucien, contando-lhe sobre a Corte Outonal, após aquele primeiro desabafo. A escuridão que havia se instaurado madrugada adentro conferiu uma intimidade impressionante aos parceiros, e permitiu que Lucien se abrisse com Elain sem mais ressalvas. Ele lhe contou sobre os dias em que perambulava pelas Cortes, tanto a que nascera quanto às demais - exceto a Noturna, nunca fora propenso a ir lá, contou. O macho lhe falou sobre sua mãe, tão exuberante com seus longos cabelos ruivos; seus irmãos, tão cheios de raiva e sede por poder quanto o pai. Mas o que rondava na mente de Elain, aquilo no qual ela havia corajosamente insistido para que ele falasse, era sobre a amante falecida. O coração de Elain fora partido de mais de uma maneira ao ouvir a reverência no tom do macho quando falava de Jesminda; a nítida falta que sentia dela e a culpa ainda maior por ser o causador de sua morte. E havia, é claro, o fato de que Lucien declarou seu amor eterno àquela fêmea morta.
Elain abriu os olhos num rompante. Não permitiria que seus pensamentos a levassem tão longe a ponto de sentir raiva ou rancor pelo passado de Lucien - ou ao menos faria de tudo para impedir que isso acontecesse. A fêmea sabia o que havia em seu próprio coração, e agora sabia o que havia no de Lucien, e não era ela. Agora que estava totalmente desperta, percebia que estava completamente sozinha na cama de Lucien. Tentando desesperadamente resignar-se e não cair em autodepreciação - por ser tão patética ao ponto de ter apenas dormido ao lado daquele belo macho -, Elain puxou a manta por sobre a cabeça e enrolou o corpo feito uma bola, com os joelhos bem pressionados no peito, empurrando para dentro quaisquer possíveis sentimentos que estivesse nutrindo pelo ruivo.
Não soube quanto tempo passara assim, em posição fetal, mas finalmente lhe ocorrera que não poderia se esconder sob aquela coberta para sempre - afinal, ainda estava no quarto de Lucien. Então reuniu toda a coragem que pôde e, enfim, removeu a manta de sua cabeça e sentou-se, encontrando-se na cabeceira de madeira entalhada. Absorveu o quarto, estranhamente vazio sem a presença imponente de Lucien; As diversas armas cuidadosamente espalhadas, a mesa de madeira rústica e a cadeira de espaldar alto que ficavam de frente para a janela e de lado para a porta, o pequeno armário no canto oposto. Foi apenas quando olhou para a mesinha de cabeceira do lado direito da cama que Elain reparou na bandeja de prata que ali repousava, abastecida com um farto café da manhã: um pequeno bule de chá de porcelana com pires e xícara combinando, frutas, biscoitos e pedaços de um bolo que fez o estômago de Elain roncar alto. E ali, encostado no belo bule de chá, havia um papel dobrado, com seu nome escrito em uma letra grossa, porém elegante e cheia de floreios.
Sem conseguir conter o sorriso que imediatamente lhe cobriu a face, a fêmea esticou-se sobre a cama e pegou o papel, abrindo-o e deparando-se com um bilhete de Lucien.
"Bom dia, dorminhoca!
Você estava tão bonita e tão serena em seu sono que eu não seria capaz de me perdoar caso a acordasse. Tampouco poderia deixá-la sem café da manhã - tendo em vista que estava dormindo tão pesado, imaginei que acordaria após o desjejum ter sido servido. Então afanei alguns mantimentos para você (apenas não conte à Alis ou ela me mata!).
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Corte de Flores Flamejantes
Fanfiction"Havia fogo por toda parte. E em meio a todo aquele fogo... Ele. Elain não conseguia se mover. Não conseguia gritar. Não conseguia avisar Lucien para que corresse, para que se salvasse. Ele morreria, ela sabia disso. Sentia em seus ossos. Sentia...