Elain permitiu que Lucien atravessasse com ela. Estava tomada por uma série de sentimentos aos quais não estava acostumada: ira, raiva, rancor. Mas acima de tudo mágoa e muita, muita tristeza. Entre os sentimentos desconhecidos, havia um que lhe era corriqueiro: desesperança.
Lembrar de tudo o que se passou foi como abrir as comportas de uma represa de sentimentos. E agora ela não sabia mais como voltar a si.
Estava vagamente ciente da forte luz vermelha permeada por fumaça que os rodeava enquanto atravessavam. Desejava chegar logo em casa. Queria afundar em sua cama e simplesmente esquecer daquela noite. Esquecer de tudo. Esquecer que sequer existia.
Quando sentiu o chão sob seus pés novamente, deu um passo atrás. Não conseguia respirar direito. Seu peito doía. Olhou para Lucien e tudo o que foi capaz de pensar foi que ele era apenas mais uma compensação do Caldeirão; um parceiro, uma ligação rara para atenuar a morte do filho que sequer tivera chance de nascer.
- Elain, eu... - Lucien começou, passando a mão na nuca. Suspirou profundamente. - Sinto muito pelo seu filho.
Ela não respondeu. Não sabia o que responder. Sentia-se frouxa, zonza. A garganta estava apertada e o coração martelava em seu peito.
- Não fazia ideia de tudo aquilo. - Lucien continuou. - Por que não me contou?
- Que diferença faria? - Elain abraçou o próprio corpo e desviou o olhar do macho à sua frente.
Lucien suspirou novamente.
- Sinceramente? Não sei... Eu... Eu só...
Elain olhou ao redor, para a cidade de luz. Apenas agora reparava que Lucien havia os deixado um pouco mais afastados do centro da cidade, próximo de onde estava a lápide de seu pai. Sem pensar no assunto, Elain começou a caminhar naquela direção. Sabia que, não importava o que fosse, seu pai teria uma palavra gentil para ela. Ele sempre tinha uma palavra gentil para ela.
Sentiu Lucien logo atrás, acompanhando-a. Os minutos se passaram silenciosamente, até que a fêmea começou a ficar irritada.
- Pode ir para sua casa. - Disse sem se virar ou diminuir o passo. - Só vou falar com meu pai e já irei também.
- Acho que vou ficar por aqui. - Podia ouvir a preocupação no tom de voz dele.
Ela parou e, virando-se, olhou para cima, tentando sorrir, apesar de achar que não estava sendo muito efetiva. Estava tão vazia que mal tomava conhecimento de suas ações.
- Vá descansar um pouco. Estou bem.
Lucien estendeu a mão para o rosto dela, passando o polegar por sua bochecha e limpando uma lágrima que Elain não sabia que escorria.
- Sei como é perder alguém que se ama, Elain.
- Você não sabe. - Ela negou com a cabeça. - Não é simplesmente como se ele tivesse morrido. Ele foi tirado de mim da forma mais brutal possível, Lucien.
- De novo, sei como é. - Uma sombra nublou aquele olho castanho avermelhado, mas não foi o suficiente para acender a curiosidade de Elain.
Nada poderia trazê-la de volta agora.
- Sabe? - Amargura dançava em seu tom de voz. - Sabe como é ser tirado da sua cama no meio da madrugada, ser acorrentada junto à sua irmã, enquanto um bando de feéricos feios e nojentos ria das suas súplicas? Sabe o que ser atirada em um caldeirão, enfeitiçada, mudada, ver seus planos e sonhos escapando por entre seus dedos? - Negou novamente com a cabeça. - Duvido muito.
- Sou mais familiarizado com isso do que você imagina. - O tom de voz do macho estava tão amargo quanto o dela.
Elain suspirou, cansada. Não debateria com ele, não tinha forças para isso. Virou-se e começou a caminhar novamente.
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Corte de Flores Flamejantes
Fanfiction"Havia fogo por toda parte. E em meio a todo aquele fogo... Ele. Elain não conseguia se mover. Não conseguia gritar. Não conseguia avisar Lucien para que corresse, para que se salvasse. Ele morreria, ela sabia disso. Sentia em seus ossos. Sentia...