Gabrieli.
As crianças terminaram de deixar a sala, acompanhadas pela professora de educação física, e o silêncio predominou o ambiente pela primeira vez no dia. Respirei com alívio ao me deparar com todas as carteiras vazias e Carla, medindo minha reação, não foi capaz de conter uma risada baixa.
— Você não vem? — indaguei conforme alcançava sua mesa, mas apontando para a porta entreaberta.
— Eu vou aproveitar para colocar algumas coisas em ordem. — ela me observava por cima do ombro, enquanto remexia na estante de aço imediatamente ao lado da sua mesa. — Vai me ajudar?
— É claro!
Já faziam alguns meses desde que eu havia começado a fazer estágio em uma pequena escola particular. Fui designada como professora auxiliar em uma sala de segundo ano, o que tinha lá suas particularidades, na mesma proporção em que era um cargo extremamente gratificante.
Sempre tive naturalidade com crianças. Talvez fosse por isso que eu tivesse me encontrado tão bem dentro da pedagogia. Era uma área que exigia muita atenção e paciência, é claro, mas era como se dedicar a qualquer outra profissão — talvez com um pouquinho mais de carinho e afeição.
Carla me passou alguns cadernos e eu dispus a pequena pilha sobre uma carteira desocupada. Ela se equilibrou sobre a cadeira, a fim de alcançar a prateleira mais alta da estante e pediu que eu passasse um pano que se encontrava em cima da mesa.
— Você 'tá' mais quieta que o normal hoje. — ela observou após alguns instantes de silêncio.
— Impressão sua. — aquela foi minha tentativa de evitar o assunto.
— Impressão minha, Gabrieli? Eu convivo com você todos os dias, sei dizer quando tem algo de errado.
Abri um sorriso não necessariamente espontâneo, mas que tinha como intenção tentar convencer Carla de que estava tudo bem. Ainda do alto daquela cadeira, sua expressão me dizia que ela não acreditou por um segundo sequer.
— Eu te contei que as minhas amigas me arrastaram 'pra' um show no final de semana. — relembrei. Seu rosto se acendeu quando ela percebeu que havia sido capaz de me vencer pelo cansaço.
— Onde o cantor te dedicou Cigana.
— Onde o cantor me dedicou Cigana. — prontamente concordei, me condenando por não ser capaz de esconder o sorriso.
— E mesmo assim você foi capaz de dar um fora nele.
— Aconteceu, sabe? — funguei, apreensiva. Carla, no entanto, não emitiu um único som, talvez com intenção de demonstrar que estava ali para me ouvir. — Eu não acho que aquele era o momento.
— E então...? — quando dei o assunto por encerrado, ela tratou de retomar.
— Ele 'tava' na porta da faculdade hoje, esperando por mim.
— Mentira!
O tom excessivamente empolgado de Carla era tão histérico que não podia apenas passar despercebido. Aquela altura, eu estava sentada sobre uma das carteiras, com uma perna apoiada sobre a mesa e a outra suspensa no ar e ela havia cessado seus gestos apenas para me observar com atenção, ansiando pela continuação da história.
— Me conta mais, Gabrieli! — Carla insistiu, mantendo seu tom histérico.
— Ah, ele me convenceu a passar meu número 'pra' ele.
— E por que você não parece contente com isso?
Aquela era uma ótima pergunta. Não respondi de imediato porque eu honestamente não tinha uma resposta que soasse coerente. Nem mesmo eu era capaz de compreender o que se passava pela minha cabeça naquele momento.
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(Im)perfeitos | Ricelly Henrique
RomanceUm romance de conto de fadas não era nada do que Gabrieli esperava. Príncipes estavam para ela tanto quanto sapatos de cristais e carruagens que se transformam em abóboras: meros conceitos de filmes da Disney. Ironicamente, foi exatamente o que ela...