‧₊˚ oito.

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Gabrieli.

As despedidas com Henrique sempre foram corriqueiras. Desde o início da nossa relação, era habitual que ele não passasse os finais de semana em casa, devido a agenda de shows. No entanto, naquele último ano, as coisas haviam se intensificado, inclusive os longos períodos na estrada. Consequentemente, as despedidas passaram a adquirir certo tom de melancolia, porque significavam uma espera ainda maior. Aquelas duas semanas, no entanto, foram ainda mais complexas do que o habitual.

Eu não me lembro de já ter chorado com tanto afinco antes prestes a dizer tchau, mas, agarrada com Henrique na porta de casa, ciente de que ele estaria fora por duas semanas inteiras, por pouco não me recusei a soltá-lo. Parte daquilo era culpa dos hormônios, mas a outra parcela recaía diretamente sobre mim: eu ainda estava assustada, e era Henrique quem me confortava nos momentos em que eu mais precisava de apoio.

Para ele, também era difícil se despedir e me deixar em casa. Partilhando daquele sentimento era onde a culpa entrava: eu me condenava por deixar Henrique naquele estado, tão desolado. Eu acreditava que, se eu demonstrasse que estava bem, ele não reagiria daquela maneira. E, por aquele motivo, eu passei uma semana inteira consumida por aquela sensação recorrente de culpa.

Naquela semana, Henrique não iria para casa. Com a gravação de um novo projeto se aproximando, as responsabilidades se multiplicaram e aquilo implicaria na estadia em São Paulo, ainda havia algumas audições pendentes, mas o foco era começar a trabalhar nos arranjos.

Ele me ligava com uma certa frequência, pelo menos duas vezes ao dia, para se certificar de que eu estava bem. Às vezes, era insistente até em excesso, quando eu dizia que estava, sim. E as incontáveis mensagens, todos os dias, eram uma maneira de se fazer presente e assim tentar me tranquilizar.

Os meus sintomas não se manifestavam todos os dias, mas, quando apareciam, eram intensos. A azia e a sonolência eram os mais recorrentes, bem como mais intensos, mas eu já havia aprendido que não havia muito sob o meu alcance para impedir que se manifestassem. Portanto, eu me contentava em ficar quieta e esperar que passassem, não tão pacientemente quanto eu gostaria.

Aquela noite em particular era uma noite de terça-feira. Conversando com Henrique através de mensagens de texto, ele havia alegado que não podia sair para me ligar naquele momento, porque havia muitas pessoas por ali, muitas pessoas a quem ele deveria dar atenção. Eu tentei ser compreensiva, e talvez tenha conseguido expressar aquela imagem a ele, mas me senti um pouco rejeitada, de forma involuntária, por isso me afastei do celular e tentei me concentrar sobre qualquer coisa que pudesse consumir minha atenção.

Minha primeira tentativa foi ligar a TV. Procurei pela série que eu estava assistindo a semanas, e tentei manter a concentração, mas foi em vão. Embora os personagens insistissem em falar ao fundo, eu só conseguia me perguntar onde Henrique estaria e que horas ele voltaria ao hotel para que ele pudesse me ligar. Não havia desconfiança sobre o ambiente, nem sobre as companhias, apenas uma necessidade latente de ter a sua atenção.

Consciente de que o meu comportamento não estava sendo saudável, parti a outra tentativa, de fazer algo que eu vinha adiando há algum tempo. Eu sabia que Henrique havia concordado comigo em manter a gravidez em sigilo, mas, àquela altura, o maior motivo para que nós insistíssemos no assunto era a tentativa de não tornar a situação impessoal demais aos nossos pais. Havia uma pessoa em particular a quem eu gostaria de contar, e eu não queria adiar por muito tempo.

Conforme caminhava até a área externa da casa, disquei o número de Carla. Pelo horário, não seria de se estranhar se ela não pudesse se estender em uma ligação, mas eu sabia que Carla seria a pessoa que mais encontraria uma maneira de me reconfortar naquele momento. Ela sempre tendia a enxergar as situações de maneira ampla, o que fazia dela uma conselheira excepcional.

(Im)perfeitos | Ricelly HenriqueOnde histórias criam vida. Descubra agora