Gabrieli.
Os três meses que sucederam aquela conversa foram intensos, mas de maneira contida e não excessivamente conturbados. Eu fui consumida por completo pelas tarefas da faculdade, precisando me desdobrar para ser capaz de conciliar minhas últimas matérias ao TCC e ao estágio, o que rendeu extensos meses regados a café e poucas noites de sono adequadas.
Ainda que, em teoria, eu tivesse os finais de semana livres, eu preferia passar no meu apartamento a voltar para casa, onde eu não encontraria um ambiente quieto o bastante para que eu pudesse me concentrar nas minhas tarefas. É claro, meus pais estavam descontentes, sentindo minha falta, mas orgulhosos na mesma proporção por saberem da minha dedicação.
Henrique voltou para Palmas duas vezes durante todo aquele período. A primeira, em agosto, para passar a semana com a família — e, consequentemente, comigo — o que não rendeu muito além de jantares em casa; e a segunda, em outubro, para acertar alguns detalhes sobre a gravação do DVD, que se aproximava em uma questão de dias, o que necessariamente implicava que eu teria ele em casa, ainda que ele estivesse centrado no trabalho.
A construção da nossa relação após o término estava indo muito bem, até melhor do que eu supus que seríamos capazes. Henrique finalmente havia compreendido a dimensão das minhas inseguranças e estava demonstrava sensibilidade ao lidar com elas, enquanto eu me esforçava para ser compreensiva e não cobrar ele constantemente por explicações. No entanto, ele sempre me avisava quando iria sair, aonde iria e com quem, ainda que eu insistisse que não era necessário. Mais do que isso, ele fazia questão de me avisar o horário em que chegou em casa, mesmo que eu já estivesse dormindo. Internamente, eu sabia que ele estava se empenhando e saber da sua dedicação era o suficiente para me fazer deixar o assunto o segundo plano.
Mesmo que eu tenha em empenhado para fingir que nada aconteceu durante aquela visita, eu precisei tocar no assunto quando ele voltou para casa pela primeira vez. Não mencionei a ideia da mudança, porque ainda era muito cedo, mas mencionei a traição, e o que eu recebi em resposta foi uma conversa muito honesta sobre a situação em que aquilo nos colocava. Ele chorou, eu chorei, mas tudo apenas serviu para que eu tivesse ainda mais certeza de que a decisão que eu estava prestes a tomar era certa. Eu não tinha arrependimentos por confiar em Henrique, e ele concordou com a ideia de não mencionar a ninguém. Era uma questão nossa, e apenas nossa — e continuaria sendo.
No entanto, apesar de ter julgado de primeira que não era um assunto cabível ao momento, eu estava à espera de que a oportunidade perfeita surgisse para falar sobre Goiânia. Na sua visita em outubro nós tivemos poucos momentos juntos e eu preferi gastar meu tempo com carícias e conversas casuais e bobas a um assunto tão denso. Mas, com a chegada de novembro, eu já começava a me sentir desesperada, à espera de uma brecha, qualquer brecha, — fosse pessoalmente ou não — para citar a ideia com Henrique.
Naquela semana em particular, ele estava em Palmas, onde ficaria por um período consideravelmente extenso, ou pelo menos extenso desde que ele havia se mudado: quinze dias. Esse tempo se revezaria entre os ensaios para o DVD e alguns dias de descanso logo após, mas se limitava àquilo. Talvez ele voltaria para o Natal, mas ainda não era certeza. Ele também não tinha certeza se poderia ir a Palmas para a minha apresentação de TCC e eu tentava administrar minha frustração sem culpá-lo, e sem demonstrar a ele, por saber que Henrique já estava sobrecarregado por bastante.
Suficientemente ocupada por um documento que eu deveria enviar até segunda-feira para a minha orientadora, não pude buscá-lo no aeroporto naquela manhã, e ele não poderia me ver até a noite daquele sábado, mas eu consegui me manter distraída, apesar do sentimento insistente de saudade que me dizia que eu deveria largar tudo e ir atrás dele. Nós teríamos tempo para matar a saudade pelas duas semanas seguintes, o que era mais do que bastante para mim. Naquela noite, eles fariam o primeiro ensaio para o DVD e eu estava ansiosa com a perspectiva de assistir.
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(Im)perfeitos | Ricelly Henrique
RomanceUm romance de conto de fadas não era nada do que Gabrieli esperava. Príncipes estavam para ela tanto quanto sapatos de cristais e carruagens que se transformam em abóboras: meros conceitos de filmes da Disney. Ironicamente, foi exatamente o que ela...