‧₊˚ dezoito.

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Henrique.

O ar quente de Palmas, que me abraçou no minuto em que deixei o ônibus, fez com que tudo soasse como uma menção de boas vindas. Era minha primeira vez em casa, depois de dois meses, e eu me sentia feliz, ainda que apreensivo. A cidade ainda guardava uma série extensa de memórias vívidas sobre o meu relacionamento, todavia, se eu havia passado pelo menos meus piores dias pós-término, eu ainda aprenderia a administrar a situação, ainda que levasse tempo.

Ao invés de seguir direto para casa e ir ao encontro da minha família, precisei ir direto resolver algumas questões burocráticas, já que eu havia perdido meu RG na semana anterior. Eu não estava muito contente, é claro, mas enquanto eu aguardava o atendimento no balcão, o pensamento de que eu em breve estaria em casa, com os meus pais, me confortava.

O prédio da defensoria pública permitia uma visão privilegiada da UFT, há algumas quadras de distância, afinal, a Universidade era um conjunto de prédios extensos, difícil de se passar despercebido em meio a paisagem retilínea de Palmas.

Gabrieli não estava em aula. Ou, em teoria, não deveria estar. Nós estávamos na segunda semana de julho e, a menos que houvesse algum compromisso na capital, ela possivelmente estaria na casa dos pais, aproveitando o tempo com a família antes de ser sobrecarregada pelo último semestre da faculdade e o retorno do estágio.

E, mesmo que aquele não fosse o caso, precisei me lembrar, não significaria nada. Eu não podia aparecer na portaria da Universidade apenas para encontrá-la; ou então ir a sua casa, que ficava a uma distância ainda mais curta, inventando uma desculpa qualquer só para vê-la. Nós estávamos terminados e, considerando todas as variantes recentes, eu não acho que ela estava determinada a me ver.

Já faziam três semanas desde que eu havia enviado aquela música para Gabie, ainda que eu nunca tenha feito na intenção de ter uma resposta, perceber que ela havia, sim, visto e apenas não fazia questão de me responder fez crescer em mim um sentimento de angústia. Eu não me sentia no direito de julgá-la, e nem sequer faria, mas eu me perguntava com uma certa frequência qual teria a sua reação.

Meu irmão também me lembrava de algo com uma frequência: se eu pretendesse que aquilo me levasse a algum lugar, então eu precisava respeitar o tempo dela. Era justamente aquilo que eu estava fazendo, há cerca de um mês e meio. E, ainda que aquele período não estivesse sendo fácil, eu encontraria uma forma de continuar levando apenas pela hipótese de poder reencontrá-la em algum momento.

— Aqui! — a moça que estava fazendo o atendimento me estendeu meus documentos de volta e eu precisei dispersar meus pensamentos para encará-la.

O ambiente estava lotado e, atrás daquela espécie de balcão, funcionários caminhavam de forma frenética para dar conta daquela movimentação de pessoas. O barulho das vozes apenas era camuflado pelos ventiladores do ambiente, que se esforçavam para funcionar naquele clima intenso.

— 'Tá' agendado para essa data — ela frisou, enfatizando ao destacar com a unha correndo pela folha. — Se você não for conseguir vir, é preferível desmarcar com antecedência.

— É claro — concordei com um sorriso breve. Encerrando a conversa, dirigi a ela um breve: — Obrigado.

Meu agradecimento foi recebido por um breve aceno de cabeça, antes que ela me desse as costas outra vez. Puxei os documentos, em conjunto com o pedaço de papel que continha as informações do atendimento e deixei o ambiente lotado.

Novamente, ao me deparar com aquele clima excepcionalmente quente, ao deixar o conforto do ar condicionado, me flagrei sorrindo. Goiânia podia não ser uma cidade fria, mas não tinha esse mesmo calor convidativo de Palmas. Podia não ser exatamente confortável, mas era como um lembrete constante de que eu estava em casa. E, ainda que eu estivesse preso àquele pensamento, tudo se esvaiu quando eu vislumbrei a imagem do prédio de Gabi, ao terminar de descer as escadas, chegando à calçada.

(Im)perfeitos | Ricelly HenriqueOnde histórias criam vida. Descubra agora