‧₊˚ vinte e seis.

168 9 6
                                    

Gabrieli.

Passava das seis quando eu estacionei o carro do lado de fora do estabelecimento. Minha cabeça estava relativamente área e eu não conseguia procurar por algo para focar naquele momento. Nem mesmo com o rádio ligado em um volume baixo, eu não conseguia me atentar a música, apenas torcia internamente para que eu não encontrasse Henrique pelas próximas horas, porque o sentimento predominante era a vontade de desferir uma sequência bem explícita de palavrões direcionados a ele.

Quando Henrique decidiu aparecer na porta do meu apartamento, na noite anterior àquela, com o carro dos seus pais, ele me disse, logo após me cumprimentar, que eu precisaria buscar minha sogra no trabalho na tarde seguinte. Eu quis insistir e questionar o porquê ele precisou do carro dos pais, mas Henrique conseguiu desconversar até que eu não me lembrasse do assunto, com seu jeitinho persuasivo. Eu só voltei a me lembrar do assunto quando acordei sem ele na cama na manhã daquele dia, mas com a chave do carro sobre o meu criado-mudo, reluzindo sob a luminosidade do sol.

Com o braço apoiado sobre a janela totalmente aberta, observar o movimento das ruas, logo diante da minha vista, era um passatempo que me ajudava a tirar minha concentração da demora pela espera de Maria — embora não houvesse mais nada que eu pudesse fazer naquele meio tempo.

Aquele trecho da cidade, apesar de estar próximo ao centro, dispunha de alguns lotes vazios, desprovidos de construções, a venda para possíveis empresas. A vista, portanto, da avenida, se estendia com longos aglomerados de vegetação rasteira e algumas poucas edificações — em grande maioria, pequenos comércios locais.

Dispersei minha atenção a flagrar qualquer mínimo resquício de proximidade de alguém. Infelizmente, não era a minha sogra, já que vinha do lado oposto a entrada do prédio, mas, caminhando na outra extremidade da rua, o rosto também me era curiosamente familiar. Matheus.

Fazia meses desde o último esbarrão casual em que chegamos a trocar, efetivamente, palavras. Eventualmente, eu ainda o via pelo campus da UFT, fosse cercado pelos amigos no restaurante universitário, ou tragando um cigarro no jardim, logo a frente do seu prédio.

Eu podia sentir que ainda haviam resquícios de tensão em Matheus também, porque todas as suas ações eram contidas. Apesar de, vez o outra, retribuir o olhar, ele não ousou me procurar outra vez para tentar justificar as próprias ações, nem sequer para tentar se aproximar de mim outra vez. E, ainda que eu tivesse certa curiosidade para ouvi-lo, não havia motivação suficiente para que eu quisesse. Mas, vez o outra, eu ainda me flagrava perguntando o que ele poderia ter para me dizer naquele dia.

Ele retribuiu o olhar após alguns segundos. Eu percebi que desviar o olhar faria com que eu soasse intimidada e, como aquela não era uma opção, preferi não me intimidar. No entanto, o que eu acreditava se tratar de um breve encontro, sem pretensão alguma, em que ele passaria reto e eu só comentaria casualmente com o meu namorado ou os meus amigos, passou a se tornar outra coisa quando Matheus decidiu caminhar na minha direção.

Revirei os olhos, descontente, e olhei outra vez para a porta do estabelecimento. Algumas pessoas já haviam saído aquela altura, mas não haviam resquícios de Maria. Ela certamente ainda estava por lá, e não sairia a tempo até que Matheus alcançasse o carro. Foi exatamente o que aconteceu. E, quando eu ouvi meu nome ser chamado por ele, eu ainda não havia encontrado uma maneira efetiva de lidar com a situação.

— Gabrieli?

— O que você quer? — resmunguei com impaciência, determinada a ser o menos solícita possível. No entanto, a reação de Matheus se resumiu a esboçar um sorriso e negar.

— Cê não precisa me tratar com grosseria. Eu sei que eu não fui a melhor pessoa do mundo, mas...

— Eu já te disse uma vez que eu não tenho nada pra tratar com você. Eu não sei porque insistir, sabe? Aconteceu, ficou pra trás. Não tem motivo pra ficar remoendo — procurei me justificar enquanto cruzava os braços e me afundava no estofado.

(Im)perfeitos | Ricelly HenriqueOnde histórias criam vida. Descubra agora