‧₊˚ quatorze.

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Henrique.

Naquele final de manhã de domingo, tudo parecia tedioso. Eu ajudava minha mãe a lavar o quintal, enquanto ela se ocupava hora ou outra indo conferir o almoço no fogo, e aproveitávamos o momento para tratar de assuntos banais. Ajudar minha mãe com as tarefas de casa era sempre algo prazeroso, exceto quando eu tinha os pensamentos distantes — o que era o caso, naquela manhã.

Na noite anterior, Gabrieli havia me surpreendido ao aparecer no bar, em um gesto coordenado pelo meu próprio irmão. Eu jamais esperei que Gabrieli fosse capaz de fazer algo assim, assim como jamais esperei que ela tivesse contato com Junim, mas o desfecho da noite foi uma surpresa extremamente positiva e prazerosa, recheada de boas memórias, música em abundância e uma companhia encantadora.

No entanto, embora a noite tenha sido extremamente agradável, também despertou algo em mim; Gabrieli teve enfim coragem suficiente para entrar um assunto sensível e complexo e embora eu tenha ficado admirado pela sua coragem, o assunto também despertou em mim um sentimento instigante. Eu passei a me perguntar como deixar Gabrieli confortável em situações recorrentes e ainda assim demonstrar o desejo que crescia em mim.

Aquela altura, eu conhecia suas inseguranças o suficiente para saber que demonstrar o meu desejo era parte essencial para que Gabrieli percebesse que eu apenas tinha olhos a ela. No entanto, tudo precisava ser feito sempre respeitando seu espaço. E como fazer tudo aquilo sem soar invasivo? Talvez o Henrique de dezesseis anos soubesse, mas o de vinte e um não mantinha tão fresco assim na memória.

— 'Cê' 'tá' longe... — minha mãe disse baixinho, acompanhando por um sorriso. Eu retribui, através de um sorriso fraco e continuei esfregando o chão de concreto, enquanto dona Maria, com a mangueira em mãos, se encarregava de tirar o sabão de trechos que eu já havia esfregado.

— Impressão sua.

— Impressão minha? — ela reafirmou, sem sentir confiança. — Não nasci ontem não, filho...

— Eu juro, não é nada. — insisti.

Não que houvesse algum motivo em particular para que eu não mencionasse Gabi a ela, mas como tudo entre nós ainda era novo e um pouco incerto, eu preferia não alimentar dona Maria com esperanças. Em especial, quando a razão para eu estar tão disperso era algo tão incomum e particular.

Se minha mãe não se sentiu convencida, então ela decidiu que não valia a pena insistir. Eu suspirei, agradecido, porque se ela insistisse, talvez eu começasse a me sentir desconfortável.

Por qualquer motivo que fosse, o momento não se prolongou muito. Não mais do que dois ou três minutos após, a campainha ecoou baixo e despertou minha atenção. Quando deixei a vassoura apoiada na parede, minha mãe compreendeu que eu estava indo atender o portão e seguiu tirando o sabão, embora o olhar estivesse atento a qualquer movimento do portão.

Meus olhos custaram a acreditar quando encontrei Gabrieli em frente a minha casa, pela segunda vez em um período tão curto. Ela sorria de forma retraída, como se estivesse em dúvida de que postura manter. No entanto, ao encontrar meu sorriso, o seu sorriso se tornou tão genuíno e intenso que eu desejei ser capaz de congelar aquele momento apenas para estender aquela cena na memória.

Dizer que ela estava linda talvez fosse redundante — Gabrieli sempre estava linda —, mas, talvez consequência direta daquele sorriso tão intenso, ela parecia ainda mais linda do que o habitual, mesmo trajando apenas um jeans de lavagem escura e uma blusa solta, sem mangas.

(Im)perfeitos | Ricelly HenriqueOnde histórias criam vida. Descubra agora