Gabrieli.
— Eu 'tô' falando com vocês! — a voz seguiu ecoando, cada vez mais próxima.
Me levantei em um solavanco, mas Henrique permaneceu sobre a areia, com o corpo apoiado sobre os cotovelos enquanto seu olhar vasculhava a penumbra, na tentativa de encontrar o dono daquela voz.
Então, um flash de luz me atingiu. Eu estendi os braços, em sinal de rendição, com medo do que poderia ser, mas principalmente com receio da reação que a pessoa poderia ter. A luz era forte, de forma que eu apertei os olhos em um reflexo, porque aquela luminosidade sob mim não tornava possível que eu enxergasse, mesmo se eu quisesse.
— Vamos! — a voz masculina soou ríspida, mostrando que não haviam resquícios de paciência. — Para fora, os dois!
Apenas quando ele afastou a luz da lanterna do meu rosto fui capaz de abrir os olhos novamente. Meu olhar vasculhou o espaço à procura de Henrique; ele já havia se levantado e estava parado poucos metros à frente. Nos entreolhamos, mas não por tempo suficiente para que eu pudesse deduzir o que ele pensava.
Cabisbaixos e envergonhados, não havia sequer como contestar o que havia acontecido. Por isso, o silêncio se estendeu por todo o trajeto. O rapaz caminhava à frente, com uma postura rígida ressaltando sua insatisfação, e, mesmo que Henrique caminhasse ao meu lado, ele não se dispôs a se aproximar.
Quando chegamos de volta à pequena estrutura de concreto que eu julguei se tratar de uma portaria, de longe era visível a luz do reflexo de sirenes. Eu congelei no lugar, pensando que era aquilo: eu estava fodida.
— Você chamou a polícia? — a voz de Henrique falhou, demonstrando como ele estava perplexo.
A tensão se estendeu por meu corpo. Ser flagrada por um guardinha — ou seja lá o que aquele homem fosse — já era ruim o suficiente. Ser abordada pela polícia fazia com que eu me sentisse, de fato, uma criminosa.
— Eu não sabia que eram só uns arruaceiros. Se eu soubesse, não teria nem me dado ao trabalho de ter vindo aqui.
O rapaz então fez um gesto e se aproximou da polícia. Estendendo o olhar, enquanto eu me mantinha estática, encontrei Aline na ponta dos pés, acenando para nós do lado de fora do lugar. Logo atrás dela estava Junim, que não parecia tão histérico quanto Aline, mas ainda soava preocupado.
Observei a cena com atenção. A aproximação do rapaz até os policiais, a breve conversa que houve a seguir, a forma com um dos policiais nos mediu de cima a baixo antes de assentir e entrar na viatura. Não demorou até que eles fossem embora, da mesma forma sorrateira como entraram.
— Não façam isso de novo. Prometo não ser bonzinho assim da próxima vez. — o homem nos alertou, pouco antes de apagar sua lanterna e entrar no próprio carro.
Foi apenas quando o seu carro se perdeu na escuridão que eu me senti capaz de respirar de novo. Eu estava tensa, apreensiva e chateada por ninguém ter decidido me dar ouvidos quando eu aleguei que seria uma péssima ideia. Não tínhamos sido mortos, é claro, mas o momento me causou tanto nervosismo que eu sabia que jamais faria algo do tipo de novo.
— Desculpa. — foi a primeira coisa que Henrique se prontificou a dizer. Eu assenti, não soube porquê, mas também não procurei por respostas.
Antes que Henrique pudesse me dizer qualquer coisa a mais, corri de encontro a Aline, sentindo meu corpo se arrepiar pela escuridão do lugar. Minha prima me esperava ao lado do seu carro, com os braços cruzados e o olhar atento a mim.
VOCÊ ESTÁ LENDO
(Im)perfeitos | Ricelly Henrique
RomanceUm romance de conto de fadas não era nada do que Gabrieli esperava. Príncipes estavam para ela tanto quanto sapatos de cristais e carruagens que se transformam em abóboras: meros conceitos de filmes da Disney. Ironicamente, foi exatamente o que ela...