Gabrieli.
Qualquer feriado tendia a ser a desculpa perfeita para que mais enfiassem eu e meu irmão no carro e dirigissem até São Salvador do Tocantins. Aquela era a cidade natal da minha família e o lugar no qual eu vivi até os meus quinze anos de idade. Logo, a oportunidade de passar tempo com a minha família e reviver minhas memórias era sempre convidativa — embora, é claro, sempre houvesse a cota de parentes indelicados e indiscretos.
Naquele começo de tarde de sábado, eu descansava sobre uma pequena mureta na casa dos meus avós. Meus tios ainda cercavam meus avós, mantendo a conversa animada, mas eu me esquivei e, junto da minha prima, fugimos do aglomerado para poder comer a sobremesa em pé, sem as centenas de perguntas sobre a minha faculdade ou sobre como era morar sozinha em Palmas — antes que eu começasse a ser a indelicada da conversa.
— O que 'cê' aprontou no braço? — Aline indicou um trecho da minha pele que ainda não havia cicatrizado por completo. Já faziam duas semanas desde aquele fatídico acidente e eu havia me recuperado quase cem por cento, com exceção a algumas pequenas feridas no meu braço.
— Eu caí. — confessei a Aline. Ela, é claro, não se convenceu o suficiente e franziu o cenho. — De moto.
— O que você 'tava' fazendo andando de moto, em primeiro lugar?
— Meu ficante tem uma moto. — eu pude perceber o momento exato em que o queixo de Aline foi ao chão. Sim, eu sabia, era uma grande coisa para mim. — Ele inventou que queria me dar umas aulas e eu aceitei. — dei de ombros, embora eu soubesse que aquilo era tudo, menos algo pequeno.
— Ficante, Gabi? — eu assenti, raspando o final de calda de chocolate do pote. — Faz quanto tempo isso?
— Um mês e meio, eu acho. — tentei resgatar na memória, mas eu não lembrava com exatidão.
— Me conta mais sobre ele! — Aline pediu, tocando minha perna. — Ele é lá de Palmas?
— Sim. Ele é cantor. — relembrei, o que fez com que Aline me observasse com ainda mais curiosidade. — Não sei se você já ouviu falar em Henrique e Juliano...
— 'Cê' 'tá' brincando! Não faz muito tempo que eu fui em um show deles.
Aquele foi o meu momento de ficar surpresa e, por fim, acabei me excedendo no sorriso.
— Mesmo?
— Eu não lembro onde foi, mas uma amiga minha conhecia o som deles e falou que ia ser legal. O cara é bonito. Muito bonito.
Eu não me senti exatamente confortável com a sua observação. Sim, eu sabia que seria ridículo sentir ciúme de cada uma das mulheres que achasse Henrique bonito, afinal, ele já era conhecido e a prova estava bem ali, mas era um sentimento inevitável.
— Relaxa, Gabi. — Aline pontuou, tocando minha perna. — Ele é lindo. E acaba por aí. Você 'tá' ficando com ele. Eu jamais furaria seu olho. E provavelmente jamais teria uma chance.
— É estranho eu ter ciúme dele? — questionei e Aline se prontificou a balançar a cabeça.
— É claro que não. É o tipo de coisa que acontece, especialmente se o que vocês têm é sério. — assenti, mas não era uma confirmação. Aquele gesto despertou a curiosidade de Aline: — Vocês 'tão' ficando sério?
— Sim. — confirmei, porque parecia óbvio. Aline distribuiu tapinhas empolgados sobre as minhas pernas. — Ele é legal.
— Legal?
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(Im)perfeitos | Ricelly Henrique
RomanceUm romance de conto de fadas não era nada do que Gabrieli esperava. Príncipes estavam para ela tanto quanto sapatos de cristais e carruagens que se transformam em abóboras: meros conceitos de filmes da Disney. Ironicamente, foi exatamente o que ela...