Gabrieli.
Assim que passei pela porta do quarto, ainda atenta a breve discussão entre Matheus e Henrique, eu fui tomada por um sentimento confuso. Minha dor de estômago de repente havia se tornado uma intensa pressão sobre o estômago, em conjunto com uma vontade de chorar tão intensa que, em um curto trajeto, eu perdi as contas de quantas vezes foi preciso que fechasse meus olhos para impedir o choro.
Eu não poderia chorar na frente dele. Nem demonstrar qualquer outro sinal de fraqueza. Eu não podia causar comoção em Henrique, ou ele jamais levaria a sério a minha decisão. Mas eu estava decidida. Ainda que me matasse um pouquinho a cada passo, a cada vez que aquela ideia me ocorria, inclusive no momento em que repousei meus olhos sobre ele. Eu não podia mais me prender a viver daquela forma, e somente eu poderia tomar aquela decisão.
Ele estava visivelmente abalado, foi o que eu constatei de imediato. Não sei dizer ao certo se era reflexo do impasse no nosso relacionamento ou apenas uma infeliz coincidência, mas Henrique parecia desleixado, com a barba por fazer, olheiras profundas e um pouco abaixo do peso que costumava ter. Se aquilo era reflexo do tempo na nossa relação, então eu tinha um pouco de medo do que esperar de um término definitivo, embora não me desencorajasse a ir em frente.
一 Gabi! 一 a forma como as palavras deixaram a sua boca fizeram com que aquilo soasse com um certo tom de alívio. Ele estava feliz por me ver ali. Contente. E aquilo iria me matar mais um um pouquinho.
Seu semblante dizia o mesmo. O sorriso de Henrique havia iluminado o ambiente e acendido seu rosto, tornando ainda mais evidente seu aspecto cansado. Aquilo despertava em mim um sentimento de culpa intenso.
一 Eu... 一 Matheus começou a dizer, me se perdeu pelo caminho. Eu assenti, embora mantivesse o olhar fixo a Henrique, e contrai os lábios em apreensão. 一 Eu 'tava' colocando ele 'pra' fora...
一 Não faça isso, Má. 一 pedi, o que fez com que minhas palavras ecoassem no silêncio constrangedor do ambiente. A surpresa foi tanta que eles não souberam o que dizer de imediato.
一 O que? 一 Matheus me questionou, como se meu pedido o deixasse totalmente incrédulo. Eu assenti. Era exatamente o que eu havia pedido a ele.
一 Eu preciso conversar com o Henrique. 一 conclui, murmurando. Henrique respirou com alívio, mas sua postura seguiu firme. Ele claramente não tinha esperanças de que aquela conversa resultasse em algo bom 一 e era melhor que ele continuasse daquela forma.
一 Mas...
一 A sós. 一 reforcei a ideia para Matheus. Ele não pareceu se sentir contente, mas não podia insistir, outra vez.
Quando ele deu um passo à frente, para me alcançar, eu recuei. Normalmente eu aceitaria seu abraço, mas eu não queria dar outro motivo para que Henrique se sentisse ainda mais enfezado. Ele não tinha direito a me julgar, é claro, mas eu sabia que ele faria e não resultaria em uma conversa pacífica.
一 Se você precisar de qualquer coisa... 一 Matheus pontuou e eu assenti, apenas para que ele não sentisse como se eu estivesse negando a sua oferta.
Mohana e Natália deixaram o quarto. Natália apenas seguiu Matheus para fora do apartamento, sem acrescentar nada além de um olhar solidário, mas Mohana permaneceu nos observando por alguns instantes. Ela nitidamente se sentia tensa por nós, tensa pelo que poderia vir a seguir. Eu não sabia, no entanto, se aquele sentimento solidário era sobre mim ou sobre ele 一 e nem faria questão de perguntar.
一 Eu vou indo, mas... 一 Mohana acrescentou para mim, logo que recolheu sua bolsa de cima da mesa. 一 ...eu vou mais tarde, 'tá' Gabi?
Assenti em concordância, sem ter a necessidade de me fingir de forte. Eu com certeza precisaria de um abraço mais tarde e um colo para chorar e a única pessoa que poderia me oferecer as duas coisas era ela.
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(Im)perfeitos | Ricelly Henrique
RomanceUm romance de conto de fadas não era nada do que Gabrieli esperava. Príncipes estavam para ela tanto quanto sapatos de cristais e carruagens que se transformam em abóboras: meros conceitos de filmes da Disney. Ironicamente, foi exatamente o que ela...