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No sopé do morro, havia um grande campo, com grama alta, sem árvores à vista. O mato, tocando em nossa cintura, fazia cócegas como penas de pato.

Durante todo o caminho, Renoward ignorou minha presença. Aquilo começou a me irritar. Talvez eu poderia enfiar uma ou duas adagas em cada braço dele. Talvez assim eu sentiria menos raiva.

O teleférico, um carrinho como os de Sulman, mas pendurado no alto de um precipício, fez som de ferrugem o tempo todo.

Quando chegamos em Parvin, já era fim de tarde. As estrelas mesclavam-se com a tonalidade clara do céu azul, como uma leve camada de tinta. As nuvens, vistas no horizonte, faziam com que aquele céu parecesse uma pintura.

— Vocês descobriram alguma coisa sobre Parvin nos dias em que eu estive fora?

Foi Ayaz que respondeu, depois de abotoar uma das mangas de sua camisa no cotovelo. Havia uma arma em seu cinto, percebi.

— Nada muito grande. Só sabemos que existem muitos bichos esquisitos.

— Bichos esquisitos? Que tipo de bichos esquisitos?

Ayaz pareceu levemente tenso. Cerrou os dentes e observou o horizonte com seus olhos azuis gelo.

— Esquisitos do tipo, se você tocar morre, se respirar morre, e viver...

— Morre. Que ótimo.

O dia clareou e escureceu novamente. E nós caminhamos sem parar.

Tentei manter minha mente ocupada. Mas não devo negar que cortei a perna de Renoward uma ou duas vezes com a espada, sem querer.

Ele me olhou feio.

—Ops — eu disse. — Acho que você está andando perto demais. Que tal dar a volta e ir para o fim da fila?

— Eu estou guiando o caminho.

Bufei.

— Pois pode deixar que eu guio então!

Passei na frente do soldado, pisando mais duro do que eu gostaria. Não queria demonstrar o quanto aquilo tinha me afetado, mas tinha me afetado.

Se fosse meu pai, não doeria tanto. Mas esse homem bipolar? Em uma noite, ele cuida de mim e diz que permanecerá ao meu lado. Na outra noite, diz que sou descartável. Me diz, que tipo de homem é esse?

Se bem que dizer não é fazer. Tudo o que ele tinha feito, até agora, demonstrava preocupação. Então por que teria dito aquelas palavras à Zylia? Será que ele tinha medo?

Medo de quê?

Eu não queria saber! Insolente. Dá próxima vez que me insultasse de forma tão escrota, eu atingiria a testa dele numa pia de novo.

Quando montamos acampamento, eu me sentei, em silêncio. Sentia um peso no peito.

Por que por que por que.

Talvez eu não quisesse saber. Talvez quisesse.

Era costumeiro ouvir isso do meu pai. Ou talvez da mulher do meu pai, que me dera meio-irmãos tão desprezíveis.

Entretanto de Renoward? Não. Dele eu não esperava esse tipo de atitude. Quem sabe no começo, quando ele era grosso mesmo e eu não o conhecia. Mas depois de tudo o que passamos? Depois de eu tê-lo salvado e ele ter me salvado milhares de vezes? Depois de todo cuidado demonstrado? Depois de ele ter dito, e praticamente cumprido com sua palavra de que ele estaria comigo? Depois de ele ter quase ido no meu lugar em Ayllier? Depois de me acalmar tantas vezes depois de uma crise? De me prometer que não me deixaria para trás e não me deixar mesmo?

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora