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Quando retirei mais uma cutícula da minha unha, quase arrancando a carne enquanto observava Barrie e Ercan lutarem, mordi os lábios, atordoada.

Estava ansiosa; meu peito batia com força e a respiração estava rarefeita. Minhas mãos, geladas, esfregavam-se uma nas outras a cada segundo. Não havia relógio, mas o meu contar de tempo, o tique-taque que eu mesma instigava dentro da cabeça, me fazia quase esquecer minha garganta raspando.

E me fazia lembrar de que não confiava no Imperador.

Um sentimento diferente me invadiu quando percebi. Não confiava nele. Boatos de que minha carne era teimosa para admitir meu erro e dilacerou-se quando sussurrei a confissão.

Porém, também me lembrava todas as vezes que tentei fazer sozinha. Quando é feito pelas mãos dos homens, pode até ser bom, mas sempre durará pouco, porque Yüksek não estará na direção. A corte arthoriana não durou porque meu povo substituiu o Rei pelas próprias mãos.

É por isso que caímos.

E a verdade era uma só, doesse quem doer: Nós não descansamos porque achamos que podemos fazer melhor do que Papai.

* * *

Do modo mais simplório, Barrie atingiu as costas de Ercan, que revidou, puxando o pé da irmã. A garota resmungou, com o cabelo loiro cheio de neve e os olhos cinzentos exalando tédio.

— Assim não vale! Você está trapaceando.

Ercan deu de ombros, erguendo o tronco e sentindo-se orgulhoso.

— Apenas porque eu estou ganhando todas de você?

— Sim!

— Não estou trapaceando, irmã, só sou muito melhor do que você.

— Quero ver só quando eu for mais grande que você. Vou ficar tão forte que vou te derrubar em um só empurrão. Como Zahara faz!

— Maior, Barrie — soou o irmão, revirando os olhinhos tempestade. — Se diz maior, não mais grande. E você não vai me vencer, eu sempre vou ser o mais forte.

— Isso é muito chato. — A menina cruzou os braços.

— Fica tranquila, Barrie — eu disse a ela. — Você pode até não ser mais forte, mas pode ser mais rápida.

— Isso! — Ela ergueu os bracinhos. — Vou ser igual a Gaëlle!

A menina mostrou a língua para o gêmeo, que fez uma careta emburrada e revirou os olhos.

— Aí não é justo. Não tem como ganhar da Gaëlle.

— Exatamente por isso.

— Se divertindo?

Observei Alyssa recostar-se ao meu lado na pedra da caverna. Ninguém se arriscou a ir muito longe. No fim da tarde, quando o sol começou a esfriar, já tínhamos feito quase tudo o que era preciso.

Aly fechou mais o casaco quando um vento forte soprou. Eu me encolhi, tampando as orelhas. As árvores, com suas poucas folhas secas, fizeram um barulho alto.

Puxei o ar com força, tentando não temer o mal.

— Nossa — disse a princesa —, parece que as coisas estão piorando.

— Está ficando mais frio.

Alyssa comprimiu os lábios.

— Acho que está assim nos outros lugares também.

— Será que até os Desertos foram atingidos?

— É difícil saber. Contando que lá é um lugar seco, mas cercado de água, eu não duvidaria de frio onde existe areia.

— Que loucura.

Alyssa esfregou as orelhas, tentando esquentá-las. Retirei um gorro improvisado, feito com um xale grosso e recortado em três, que dividimos entre nós, do bolso, entregando-lhe.

A princesa negou com a cabeça.

— Acho que você precisa melhor do que eu.

Eu neguei, colocando na cabeça dela até cobrir as orelhas. Não era a melhor coisa, mas ajudaria.

— Fica tranquila. Vou ficar bem.

— Obrigada.

Sorri, ainda observando os gêmeos.

Barrie abriu e fechou as mãos, mas não parou de atacar Ercan.

— A espada ficou para trás — falei. — Um pouco difícil sair do continente sem aquela arma.

— Não tínhamos como trazer de volta. Infelizmente, ninguém mais aqui é arthoriano.

— Nah. Não se preocupe. Acho... acho que sei como resolver.

Alyssa hesitou. Remexeu-se, enfiando as mãos no bolso e mordendo a parte inferior do lábio.

— Você não está pensando em voltar, está?

— Talvez.

— Meu irmão vai odiar você.

Eu ri e sorri ao pensar naquele príncipe. Não entendia porque meu coração parecia querer saltitar, mas eu disse, com um sorriso bobo:

— Ele já odeia. Não preciso me esforçar para isso.

Alyssa riu.

— Gaëlle, toma juízo!

— É, isso me falta, as vezes.

Quando o riso cessou e meu sorriso substituiu-se por uma feição de preocupação, imagens dos minutos com Harvey voltaram para a minha cabeça. Algo tão singelo, mas... ninguém havia se questionado como a espada chegara em minhas mãos?

Eu a havia deixado para trás quando Harvey nos capturou. E então, eu só senti seu guarda-mão enroscar-se nos meus dedos antes de golpeá-lo.

Na hora, estava tão atônita de dor, que nenhuma possibilidade passou pela minha cabeça, mas...

Abri a mão, pensando em Vanella. Imaginei a arma encachando-se em minha palma, o peso, a resistência do ar, o brilho azul reluzente que nunca se apagou. Fechei os olhos, como se isso pudesse acelerar o processo.

Vanella, Vanella, Vanella...

Nada. Nenhum som.

Continuei pensando, como se houvesse uma ameaça na minha frente. Um Olyn talvez, babando, louco para arrancar algum pedaço meu. Senti o medo envolver-me e meus pelos se arrepiarem.

Os gêmeos gritaram quando um som laminoso cortou o ar e minhas mãos fecharam-se. Quando abri os olhos, Alyssa me olhava, perplexa.

A espada de Vanella estava em minhas mãos.

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora