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Eu fui barrada por Harvey momentos antes de conseguir sair correndo atrás de Renoward. Havia sentido a urgência na voz de Ayaz, como se ele percebesse o perigo, como se soubesse que algo estava por vir.

Mas Harvey apareceu, acompanhado de outro homem. Este, possuía cabelos lisos e pretos até os ombros, e eram ralos e finos, e um bigode preto. Os olhos, eram castanhos, o corpo, forte.

Mas não era gigante. Renoward, Aaden ou até mesmo, Ayaz, o derrotariam fácil.

Aquele homem vestia roupas coloridas demais. Um vermelho ofuscante, um amarelo nos cintos de doer os olhos e calças bejes. Os sapatos, graças ao Imperador, eram apenas pretos e lustrosos.

Ayaz esticou as costas, erguendo as sobrancelhas e medindo o homem de roupa colorida de cima abaixo. Não disse nada.

— Como está, princesa? — foi o que Harvey questionou, antes que eu disparasse a sair correndo. — Achou seus amigos?

Eu olhei para Ayaz. Ele deve ter descoberto meu desconforto, porque disse:

— Estamos todos bem, obrigado por perguntar.

— Princesa, este aqui é Osman. Ele é chefe da guarda real.

Não sei por quê, mas desejei ser rude. Não respondi. Minha cabeça estava cheia de coisas.

De repente, senti as mãos trêmulas e a cabeça levemente zonza. As vozes ecoavam, um pouco distantes.

Entretanto, Harvey continuou a falar.

— Os reis solicitam a sua presença e a dos seus amigos.

— Para quê?

— Conhecê-los. Querem saber o que fazem no nosso palácio e querem falar sobre o casamento.

Senti meu sangue ficar denso e gelado. Talvez ele tivesse um parafuso a menos.

— Eu não te dei a minha resposta!

— Mas antes da resposta, eles querem conhecer você. Já para deduzirem antes que você mesma responda. — Foi Osman que respondeu. Sua voz era viçosa e um tanto lenta. Puxada em um tom mais agudo da melodia, ele quase falava cantando.

A voz de Osman me deu nos nervos. Fez minha cabeça fervilhar de raiva e frustração.

— Que casamento, Gaëlle? — Ayaz perguntou.

Eu mordi meus lábios, sentindo-me desconfortável. Não queria abordar esse assunto daquela maneira. Desejava mesmo que fosse em um quarto, com a luz parcialmente apagada e debaixo das cobertas, com apenas Zylia, Aaden e Renoward.

— Eu...

De repente, uma confusão.

Senti a cabeça rodar e meus pensamentos ecoarem como gritos. Ouvi os gêmeos, mas não fui capaz de olhar para eles. Me sentia zonza; atenuada. Dei dos passos para trás, sentindo as pernas falharem.

Acho que foi a voz de Zylia que saiu abafada. Não sei o que houve.

O ar tornou-se rarefeito e os braços gelados.

Minhas pernas falharam. Esperei bater contra o chão, mas uma mão me enlaçou pela cintura e me puxou para perto. Senti o peito duro e o coração, forte como metal, bater.

Renoward.

Apoiei minha cabeça em seu peito, inspirando.

Com a outra mão, o príncipe de Sulman segurou minha cabeça, evitando que ela pendesse de forma débil para trás. Com os dedos, ele acariciou meus fios presos, mas também com cautela, para que não bagunçasse o penteado.

Por um momento, desejei que ele fizesse isso. Ao menos, irritaria Harvey.

— Peguei você — sussurrou Renoward.

— Acho melhor soltar a garota — disse Osman. — Ela está noiva de outra pessoa.

O corpo de Renoward, que antes parecia quente, de repente ficou frio. Ele endureceu, como se também parasse de respirar.

Quis retrucar e dizer que não estava. Que era mentira, que não queria ficar com Harvey; nem mesmo o conhecia. Entretanto, as palavras não saiam de minha boca.

Eu quis também olhar para Renoward, tentar ver a expressão dele. Mas tudo o que senti foi seu toque se afrouxando.

Mas ele não me soltou. Manteve-se firme.

— Ela vai cair se eu a soltar — retrucou o soldado.

— Então pode deixar que eu a seguro.

— Não... — minha voz saiu como um sussurro.

Eu fechei minhas mãos sobre o colete de Renoward, segurando-me nele caso alguém tentasse me puxar; como um pedido que ele não permitisse isso.

— Sinto muito — disse o príncipe; os dentes cerrados e um tom levemente sarcástico —, mas a menos que provem esse noivado, Gaëlle permanece sob minha vigilância e segurança.

Santo Imperador, obrigada.

— Esclareça esse assunto — dizia Zylia.

Conhecendo-a, sabia que estava com a coluna ereta, as mãos para trás e um olhar desconfiado. A pele negra destacada pelas mechas prateadas e as pernas posicionadas para caso precisasse se defender ou atacar. Seu tom de voz também entregava o incômodo pelo assunto repentino.

— É bem simples — Osman bateu palma apenas uma vez, e foi o bastante para meus ouvidos estalarem. Apertei os olhos pela dor. — Vocês querem o Jardim, certo? Ela, em específico. Mas para alguém de fora da família real entrar no Jardim, é preciso que esteja casada com uma pessoa da realeza. Imagino que a garota não vá desistir fácil disso. Até porque o povo dela depende disso.

Osman limpou a garganta.

— Logo, ela vai ceder e casar-se com Harvey. Só estamos adiantando as coisas.

Houve silêncio no corredor.

Os braços de Renoward ao meu redor tensionaram-se.

— Não vai adiar nada — foi Aaden quem disse. — Você não pode colocar palavras na boca dela.

— É claro que posso.

— Não, não pode. — A voz de Renoward reverberou minha cabeça. — Porque se decidir forçá-la a fazer alguma coisa, vai se arrepender de ainda estar vivo.

Eu abri os olhos a tempo de ver Osman sorrir, como se desafiasse Renoward.

Entretanto, não houve briga, nem sangue.

Harvey levantou as mãos espalmadas, pedindo trégua.

— Independente se esse casamento acontecer ou não, meus pais ainda querem saber quem são as pessoas hospedadas na casa deles. — Então, limpou a garganta. — Gostaria que nos acompanhasse.

Novamente, houve uma pausa. Então, Zahara movimentou-se, colocando um pé para frente, com as mãos ao lado do corpo.

— Façamos o seguinte. Todos estão cansados da viagem. Nenhum de nós teve tempo o bastante para respirar. Nos dê esse tempo e compareceremos na sua próxima... reunião.

Zylia assentiu em aprovação.

Harvey ponderou.

— Haverá um baile esta noite — anunciou ele. — Com bebidas e comidas à vontade. Meus pais estarão presentes. Eu acho um bom momento para conhecê-los e para discutirem outros assuntos.

Zylia observou um por um. Então pousou os olhos em mim. Concordei com um balanço de cabeça, apenas uma vez.

— Feito — disse a tenente.



Próximo capítulo: 02/03/2024, às 16:00, horário de Brasília.

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora