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A liberdade cheira a sangue e a suor seco. Ela deixa um rasto de poeira e de cadáveres e de almas perdidas. Deixa para trás, toda a inocência de uma criança e a dignidade de um rei. Não que o ser humano seja digno de alguma coisa.

A liberdade, muitas vezes, vista pela perspectiva do homem, exige perda.

Nunca pensei naquela sensação de vazio. Não a que me atingiu, quando ultrapassei os portões, e eu continuei a correr com a adrenalina em minhas veias e a cabeça, vazia. Nunca pensei também que o frio fosse tão ardente e os machucados tão profundos como estavam naquela noite.

Um som melancólico tocava aos meus ouvidos, abafando o som do alarme de Ayllier que continuava a tocar. Tocaria, agora, pelas próximas quarenta e oito horas, sem pausa. Não sabia que som era.

Mas não queria descobrir.

Existiam coisas mais importantes do que apenas um alarme.

Parei de correr.

Com o coração pulsando a mil, as mãos frias e os pés demasiadamente machucados, eu olhei para trás. Para Ayllier.

Observei seus portões cinzentos e grandes agora, fechados. O som do alarme era retumbante.

Sabia que a qualquer momento eles poderiam abrir o portão – ou ao menos tentar-, pular o muro, serrar a cerca, quebrar uma haste, qualquer coisa para me pegar. Mas não consegui evitar.

Eu olhei para trás, com os dedos cruzados e o coração na garganta. Em um ponho fechado, estava o galho da árvore.

Senti vontade de chorar quando dez e depois quinze segundos se passaram.

Por favor...

Implorei. Mordi os lábios com tanta força que acho que sangraram. Se bem que o gosto de sangue já se confundia com o gosto da bile.

Minhas mãos estavam trêmulas.

Antes que eu pudesse começar a chorar, um vislumbre de fios loiros foram vistos. A princípio, achei que estava delirando.

Entretanto, a silhueta ergueu-se, ofegante, com o nariz vermelho e o cabelo, outrora de ouro, agora estava sujo de poeira e terra.

Os olhos castanhos de Tinny pousaram sobre mim. Ela correu em minha direção e abriu um sorriso. Não consegui pensar; minha amiga já me abraçava.

O coração dela, tão acelerado quanto o meu, parecia aflito. Ouvi-a soluçar.

— Deu certo — murmurou, em meio aos soluços. — Deu certo, Gaëlle! Santo Imperador.

Graças ao Imperador, eu quis dizer. Tudo graças ao Imperador.

Os braços dela tremiam. Os meus também.

Eu me afastei, segurando as mãos delas como forma de acalentar o medo que ainda existia.

— Deu certo. — Nós sorrimos. Lágrimas escorreram dos olhos dela. — Mas agora precisamos ir.

Sem dar brechar para conversarmos, porque não queríamos, porque estávamos cansadas, porque estávamos com medo, a puxei para a estrada de terra e nós corremos, juntas, em direção à liberdade.

* * *

Tinny Woult nunca morreu na queda do penhasco. Aquilo foi, na verdade, uma grande farsa.

Quando vi a planta baixa no escritório de Markus, percebi que havia uma falha em tudo aquilo. Se o sistema da árvore falhasse, deveria haver alguma forma de controlar os portões sem ser por ela; entretanto, deveria ser uma forma discreta, para que ninguém percebesse a mudança.

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora