— Com licença, eu gostaria de tirar sua companheira para uma dança.
Não fui capaz de olhar Harvey.
Meu coração batia em um tique-taque esquisito, como se quisesse sufocar-me. Fechei e abri as mãos, enterrando as unhas na palma, concentrando-me na dor. Pense, Gaëlle, pense. De repente, os meus pensamentos pareciam arrastados, pesados como aquele vestido que eu usava e a música do baile tornou-se abafada.
Como uma goteira incessante, a frase de Ayaz pingava e respingava em meu cérebro. "Confie em mim quando digo que é preciso amar muito para ser incomodado por um Konathus." Amar muito.
Renoward me amava? Era isso que Ayaz queria dizer?
Não me parecia provável. Isso nunca me passou pela cabeça tão forte como aquele momento.
Amar é uma palavra muito forte. O amor não é passageiro. Ele é o mais doce dos sentimentos, que quando provado e usado em doses altas demais, podem causar um belo estrago. Porém, quando é assim, não se trata de amor verdadeiro. O amor verdadeiro é singelo e sempre entregue na medida certa, sem mais nem menos.
Também, é impossível deixar de amar alguém de uma hora para a outra.
Amar muito.
Não é algo simples de compreender. E a verdade é que eu estava com medo de tantas coisas que era impossível contar nos dedos.
Eu deveria ter percebido. Deveria ter encarado essa verdade. Acho que esse é um dos motivos pelos quais tratei Renoward mal por tanto tempo, mesmo sem necessidade. Eu já tinha percebido, apenas não tinha aceitado.
Mas se isso era verdade, se o príncipe de Sulman realmente me amava, por que ainda carregava aquele anel prateado no dedo?
Meus pensamentos foram interrompidos com uma mão no ombro. Senti desconforto.
— Você está bem, princesa? — perguntou Harvey.
Eu engoli em seco, jogando um pouco da cabeça para trás e abrindo um sorriso forçado.
— Ah, está sim, desculpe — menti. — É que está calor, sabe?
Comecei a me abanar com as mãos. Meus braços estavam gelados.
— O que você disse mesmo? Dança?
Harvey observou-me, com o cenho franzido antes de assentir, devagar.
— Isso. Quero tirá-la para uma dança.
— Ah, ótimo!
Então, quando procurei Ayaz, ele já havia partido.
Bati uma palma, logo em seguida, enxugando as mãos suadas no vestido. O tecido fino grudou um pouco. Isso me irritou ainda mais.
Harvey estendeu a mão para mim, esperando que eu a pegasse.
Hesitei. Mas ao vê-lo remexer-se, desejando argumentar, segurei a mão dele.
Seu toque era firme demais, reparei. Como se tivesse medo que eu sumisse, ou que me afastasse, mas isso era exatamente o que eu queria fazer.
A música, em uma bizarra sincronia com nossos passos, começou a soar pelo salão. Outros casais juntaram-se, promovendo os mesmos passos. Parecia combinado, como se esperassem que Harvey tirasse alguém para dançar bem naquela música.
Estreitando os olhos, observei um casal brevemente, ao longe. Eles tinham grandes sorrisos nos rostos, porém os olhos eram tristes. Olhavam um para o outro, mas a cor da pele era apagada, quase como um cinza. Agiam estranho, com movimentos duros, quase como enferrujados. Como se estivessem... hipnotizados.
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Arthora | A Ascensão dos Sete Reis
FantasyGaëlle nunca imaginou que sua vida poderia se tornar um pesadelo tão cruel novamente: prisão, tortura e o desprezo constante. Cada dia é uma luta, e suas preces se tornam súplicas desesperadas por um retorno ao lar, ansiando pela oportunidade de exp...