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Havia uma pequena parcela de mim que escondia certas opiniões. Eu não costumava controlar isso sempre. Na realidade, não controlava. Algumas vezes eu apenas entendia que não era o melhor momento para isso.

Mas quando vi Zylia e Ayaz entrarem, juntos, sem brigar, pela porta da frente, senti que tinha perdido alguma coisa. Não sei, parte da memória quem sabe. Ou então eu estava alucinando. Até me virei para Aaden e agarrei a mão dele, colocando-a na minha testa, para checar se não estava com febre.

Ele riu.

— Normal — disse.

— Tem certeza?

— Absoluta.

— Então o que está acontecendo? Aaden, isso nunca aconteceu.

Ele ficou em silêncio.

Aparentemente, o desespero da guerra apertava até mesmo os relacionamentos, fossem de ódio ou amor.

Nós nos empoleiramos na sala aquele dia. Eu já havia agarrado o cobertor de plumas, enrolando-o nos meus ombros. Não sei porque gostava tanto dele. Aaden sentou-se ao lado de Alyssa, mas não antes de arrumar o cobertor sobre ela e dar um beijo na testa.

Tinny, com dificuldades, havia descido as escadas naquele dia. Eu a ajudei, mas alcançamos um objetivo. E eu achei interessante que ela estivesse lá quando Zylia chegasse. Minha amiga se enturmaria fácil.

Os olhos da tenente estavam vermelhos, lacrimejando, quando chegou. Ela mal observou todo mundo. Não a culparia, porque se curvou, fechando os olhos, como se quisesse muito chorar. Atrás dela, Ayaz estendeu o braço, tocando-a como um convite para que ela o olhasse, mas a princesa de Álix apenas negou.

Zylia não teria voltado se não fosse pelos Jardins. Ela jamais me deixaria ir sozinha e queria mesmo acabar com tudo isso. Eu sabia, porque agora, por direito ao trono, ela deveria se tornar rainha. Mas nós esperávamos notícias.

Quando se recuperou, a tenente levantou os olhos. E não demorou muito para pousá-los em mim.

Zylia pareceu desconcertar. Esfregou os olhos e bateu as pestanas. Então beliscou a pele negra.

Abri um sorriso tímido.

— Santo Imperador...

Eu ri. Sentira muita saudade dela.

Levantei-me, deixando o cobertor cair e fui até ela, abraçando-a como uma criança. Ela retribuiu o gesto. Suas mãos estavam geladas e tremiam. Ela me apertou forte.

— Eu fiquei com tanto medo... — ela sussurrou. — Pensei que tinha te perdido também.

— Eu também fiquei.

Ela então se desvencilhou, me observando com um sorriso dolorido. Ela afagou minha cabeça. Havia um brilho de admiração em seus olhos.

— Estou feliz que esteja aqui. Bem-vinda de volta — disse.

Eu a observei.

— Sinto muito pelo seu pai...

A tenente negou, fechando os olhos por alguns momentos.

— Está tudo bem. Eu passaria por isso de qualquer jeito, mais cedo ou mais tarde.

Apertei o ombro de Zylia, como um gesto de consolo. Ela sorriu em agradecimento.

Voltei-me para o sofá, sentando-me ao lado de Tinny e me embrulhando no cobertor de plumas de novo. Observei minha amiga e apresentei Zylia, enquanto esta dava um abraço bem forte em Aaden.

— Aquela é a Zylia. Eu trabalho para ela, na corte de Álix.

— Aquela para onde você foi?

Eu assenti.

— Ultimamente, ela tem mais me ajudado do que eu ajudo ela. Não sei se isso é um bom sinal. Talvez eu perca o emprego.

Tinny riu baixinho.

— Acho que não. Ela parece ser muito compreensiva.

— Você não imagina o quanto. — Então, apontei para Ayaz. — Aquele é o rei de Tuorc.

Minha amiga arregalou os olhos.

— O rei? E o que ele faz aqui?

— Longa história. Mas ele está com a gente. Não sei se recomendo que fique longe ou perto dele.

— Ele é muito bonito — Tinny resmungou.

Fiz uma careta.

— Isso não é coisa para se pensar agora.

— São apenas fatos, Gaëlle.

Revirei os olhos.

Ayaz era de fato, muito bonito. Os olhos gelo em contraste com o cabelo loiro claro e sobrancelhas bem acentuadas.

— Se um dia você precisar de ajuda, pode pedir para qualquer um dos soldados. Se quiser conselhos, Alyssa e Zylia te ajudam e, se precisar de encrenca...

— ...é com você — ela cantarolou.

Olhei para ela, perplexa.

— Não! É com o Ayaz. Eu sou a pessoa mais responsável que você conhece.

Ela levantou as sobrancelhas.

— Deixa para depois.

Nos próximos minutos, Zylia conheceu Tinny e a saudou, o que era um bom sinal. Tinny podia mesmo ir com a gente. Eu sabia que deveria ter consultado a tenente antes de dizer à minha amiga que ela podia ficar, mas eu já imaginava a resposta de Zylia. Podia-se dizer, então, que eu a conhecia bem.

E conhecia mesmo. Conhecia bastante daquele grupo, porque percebi o clima que se instalou quando Aaden disse que precisava tratar alguns assuntos sérios com ela.

Zylia levou a mão à testa, esfregando os dedos, como se fosse arrancar estresse. Suas costas curvaram-se. Parecia, então prestes a chorar novamente.

— Que assuntos? — Ela perguntou baixinho.

— Aconteceu algumas coisas na sua ausência. Nós achamos que tem alguma coisa relacionada aos seus irmãos.

— Aaden, o quão ruim as coisas ficaram enquanto eu estava em Álix?

Portos cerrou os dentes, mantendo a voz baixa, e seu olhar entregava a gravidade da situação.

— Bem ruins. Renoward está... tentando resolver algumas dessas questões agora.

— Antes de me contar?

— É um pouco urgente.

Alyssa pareceu se encolher. Ela sabia. Também estivera na sala naquela noite.

Zylia balançou a cabeça em concordância.

— Vou falar com ele daqui a pouco. Antes, eu preciso de um banho.

Aaden negou.

— Não tenha pressa. É urgente, mas conseguimos ter uma folga para você descansar.

— Não. Prefiro resolver tudo logo.

— Zylia... — Aaden não terminou a frase.

Mas a tenente entendeu e eu também.

Não havia como resolver rápido. As coisas estavam ficando cada vez piores.



Próximo capítulo: 06/01/2024, às 12:00, horário de Brasília.

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora