— Gaëlle, espera!
Alyssa me alcançou correndo quando virei o corredor.
O ambiente estava frio. Eu abracei meus braços, sentindo o estômago retorcer. Não foi necessário diminuir o ritmo; Alyssa me alcançou em poucos segundos, com os sapatinhos fazendo eco pelo corredor solitário.
Eu lancei-lhe um sorriso sem graça.
Ela retirou um cacho de uvas do bolso, entregando para mim.
— Estão frescas. Meu irmão achou na cozinha e pediu que eu te entregasse.
Dessa vez, sorri de verdade.
— Obrigada, Alyssa.
Olhei ao redor.
Eu queria andar. Explorar, distrair a cabeça. Talvez encontrar algo novo para fazer e arranjar objetos com potencial de virarem armas.
— O que acha de darmos uma volta?
— Eu acho uma ótima ideia.
Ofereci a fruta a ela quando começamos a andar. Eu pretendia encontrar mais respostas sobre Harvey. Talvez algum arquivo ou provas de um crime. Talvez derrubá-lo do trono que ele nem mesmo tinha subido não fosse tão fácil, porém, com provas, o que ele poderia fazer contra mim?
— Você acha que Harvey quer mesmo um casamento apenas para assumir o trono? — questionei.
Ela ponderou.
— Eu não sei. Como Zylia disse, existem milhões de possibilidades, mas, sinceramente, Gaëlle? Acho que a história é bem maior do que isso.
— Como assim?
Alyssa deu de ombros.
— Quando o assunto é a coroa, as coisas tendem a ser mais complexas. Se Harvey quer o trono, significa que ele quer poder e isso traz a ele muitas outras coisas.
— Luxúria, talvez?
— Uhum. Podemos colocar uma boa dose de arrogância também.
— Não consigo imaginar alguém querendo isso.
— Ah, não. — A princesa negou. — Isso é o que vem de brinde. Você sobe ao trono pensando no ego, no quão grande o seu nome vai ficar quando for você a governar e no quanto as pessoas vão te venerar.
— Acha que pode virar uma ditadura?
— Se já não é, há chances, sim. Qualquer governo, na verdade. Um som a mais ao ego e pronto.
— As pessoas ouvem muito esse tal de ego.
— Todo mundo, Gaëlle. Nascemos assim. Cruéis o bastante para apenas pensarmos em nós, mesmo que a disputa seja por um carrinho de rodas quebradas.
Senti aquilo como um soco. Alyssa nunca esteve tão certa.
Todo ser humano tende a ouvir o ego, porque é disso que somos feitos.
Descemos uma escada espiralada, cheia de ramificações verdes de musgos. A temperatura era ainda mais fria lá em baixo.
— O que você acha que devo fazer? — perguntei.
— Já falou com o Imperador?
— Já, mas ele ainda não respondeu.
— Então acho que deveria esperar.
— Eu sei, mas é que... — Respirei fundo. — Eu estou angustiada, sabe? O tempo está passando.
Alyssa manteve-se em silêncio por uns instantes enquanto caminhávamos como se caminha por um jardim. Observando as decorações e velhos enfeites, tive a pequena impressão de um candelabro de ouro ter se tornado opaco. Os olhos verdes floresta analisavam tudo ao redor, com um toque de curiosidade.
A princesa de Sulman possuía uma beleza madura. O olhar era terno, a postura elegante, o sorriso muito bonito. Além das sobrancelhas parecidas com as do irmão, mas do jeitinho de Alyssa.
A garota voltou-se para mim.
— Falta quanto tempo?
— Menos de dois meses.
Ela assentiu.
— Eu acho que o que aconteceu hoje já é uma confirmação, Gaëlle.
— Não, não é disso que estou falando. Como faço para entrar no Jardim se o matrimônio é a única forma?
Alyssa abriu um sorriso.
— Pode ter certeza de que encontraremos um jeito. Há sempre uma falha, por...
— ...minúscula que seja — falamos juntas.
Ela balançou a cabeça, concordando.
— Exatamente.
No momento em que abri as portas duplas de madeira branca, senti meu sangue correr para fora do corpo.
Haviam pessoas ali embaixo. Entretanto, diferente daquelas no baile, pareciam vivas; conscientes do que lhes ocorria. Todos os rostos viraram para nós, com olhos arregalados, bocas cobertas com as mãos. Estavam surpresos.
Olhei para Alyssa. Ela segurou meu braço.
Havia uma longa mesa, com comida e bebidas. O carpete era velho, as paredes descascavam e a sala não era tão grande. Todos estavam de pé.
Houve uma movimentação, e um homem apareceu entre eles. Ele usava uma cartola de fita carmesim, um longo casaco vinho, calcas listradas e botas de cano longo.
Era jovem, mas se apoiava em uma bengala.
— Ora, ora, ora — disse, abrindo um sorriso saudoso. — Foram presas também ou vieram fazer uma visitinha? Gente nova é sempre uma alegria; traz as novidades do lado de fora.
Olhei para Alyssa. Ela encarava-o fixamente.
— O que... — eu comecei, mas aquele homem continuou.
— Aliás, poderiam trazer um pouco de patê de defumado para nós, caso isso seja uma visita? Faz tanto tempo que eu não como isso que estou quase chorando de saudade.
Dei um passo para trás, preparando-me caso precisasse correr, ou defender Alyssa.
— Quem é você?
— Imaginei que Harvey não teria comentado sobre mim. Uma pena aliás, sou muito mais legal do que ele. Levent, ao seu dispor.
— Realmente não sei se estou com vontade de conversar com quem conhecer Harvey.
Levent riu.
— Acredite em mim, moça. Eu estou aqui justamente porque discordo de tudo o que ele faz. Inclusive, aqui a comida é livre de qualquer veneno.
Então, a minha teoria estava certa. Mas veneno? Para quê?
— É você...
Senti minha garganta doer quando Alyssa pronunciou aquelas palavras. A garota, que estava pálida, levou a mão à barriga, como se isso segurasse a vontade de vomitar.
A princesa de Sulman apertou meu braço.
Observei o homem. Ele lançou uma piscadela para ela. A garota terminou de passar mal.
— Bom vê-la novamente, Alyssa.
Próximo capítulo: 24/03/2024.
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Arthora | A Ascensão dos Sete Reis
FantasyGaëlle nunca imaginou que sua vida poderia se tornar um pesadelo tão cruel novamente: prisão, tortura e o desprezo constante. Cada dia é uma luta, e suas preces se tornam súplicas desesperadas por um retorno ao lar, ansiando pela oportunidade de exp...