Capítulo narrado à parte de
Gaëlle Provence
A noite foi singela. Sob o som da coruja, Aaden comeu dois pães de patê de atum com passas, lembrando-se, de repente, de como Gaëlle detestava passas e sempre as retirava para colocar no prato dele, sem ao menos perguntar se podia. Ele achava sua atitude engraçada.
Recostou na cadeira, desejando que a garota voltasse na noite seguinte. Alyssa acreditava que ela voltaria. Ele também queria acreditar.
Fechou os dedos, apertando o bastante para que os nós ficassem brancos.
Por mais que jamais admitissem, a saudade os sufocava e a preocupação corroía seus ossos. O tempo parecia correr mais rápido, como um tique-taque embalado na ponta de uma montanha; ou variava entre um trem veloz e a velocidade de uma preguiça.
Já fazia um mês. Foi a discussão do grupo no dia seguinte.
Há um mês que Renoward e Aaden iam, todas as noites, até a estação sul de Uxtan, na esperança de ver apenas um vislumbre dos fios ruivos da garota. Entretanto, todas as noites, a notícia à Zylia se repetia: Ela não havia voltado.
O primeiro mês do calendário arthoriano se passou. Está bem, o mês de Vrayn era composto apenas por vinte e dois dias, mas ele temia que três semanas fossem o bastante para matar Gaëlle.
Entretanto, o segundo mês também se foi. E quando isso aconteceu, eles sentiam que continuar em busca da garota era tarde demais. Ela avisou que, se não voltasse em um mês, era para ser dada como morta, mas e se, de fato, tivesse morrido?
Foram mais vinte e cinco dias no mês de Adaran até completar dois meses.
Sete semanas sem Gaëlle. Sete semanas sem notícias, sem moverem um músculo, sem esforços, apenas esperando para que ela voltasse.
Zylia caiu aos prantos naquele dia. Sabia que era crueldade imaginar Gaëlle morta. Mas a tenente era inevitavelmente sensível.
Foram teimosos. Esperaram por Gaëlle mais do que ela pediu que esperasse. O solstício estava próximo.
E, mesmo assim, noite após noite, a garota não foi encontrada.
* * *
Alyssa esquivou-se quando o soco de seu irmão veio em sua direção. Com dois passos rápidos para o lado, atingiu-o nas costelas, recebendo outro golpe perto do quadril.
Ela curvou-se.
— Chega. Acho que preciso de um tempo.
Deve ter imaginado-o sorrindo.
— Você está melhorando — disse ele. — Cada vez menos enferrujada.
— Aparentemente levar socos está servindo de alguma coisa.
Ouviu a risada dele, percebendo que, há muito tempo, sentia saudade disso. Das noites em que os dois se trancavam nos quartos para falar sobre o Imperador escondidos do pai, e depois contavam piadas para dispersar o medo. Ou quando saíam de fininho e exploravam uma parte da cidade.
Apesar de tudo, Alyssa não poderia afirmar que sentia falta de Sulman. Não sabia se sentia raiva de sua terra natal ou saudade. Mesmo assim, apostaria que o que a incomodava em Sulman não era o próprio reino e sim, o seu pai.
Engoliu em seco, tentando regular a respiração enquanto observava o irmão vestir o casaco. Ele costumava fazer isso: treinar em plena neve, sem roupas para protegê-lo do frio. Segundo o irmão, isso o auxiliava a aguentar climas extremos sem dificuldades.
As vezes Alyssa duvidava que isso fosse verdade.
A princesa observou Renoward olhar em direção ao sobrado verde do pequeno terreno. Estavam no jardim de trás, onde a cerquinha de madeira de bétula servia também de sustento para algumas plantinhas.
Apesar de quase inexpressivo, o olhar do irmão de Alyssa estava cabisbaixo. Era o último dia de sete semanas de espera. E, mesmo assim, o coração de Alyssa palpitava em um tum-tum veloz toda vez que sentia esperança.
Renoward baixou o olhar, enxugando o suor. Alyssa sentiu o coração aflito.
— O que vamos fazer? — ela perguntou. Esperou até que o irmão erguesse os olhos para ela. — Digo, acho que não podemos esperar para sempre.
Observou-o balançar a cabeça em concordância. Sua mandíbula parecia tensa.
— Acho que precisamos seguir para Parvin. Retomar caminho até o oeste do reino e então seguir para o leste do continente.
A princesa pensou, quase morrendo com a ansiedade plantando "e ses", na sua cabeça.
Decidiu verbalizar um deles.
— Irmão... — tocou o braço do príncipe, como se pedisse que ele a compreendesse. Mas nunca precisava pedir; Renoward era mais compreensivo do que Alyssa desejava. — E se ela voltar? E se for hoje?
Em um movimento cuidadoso, Renoward tocou a mão de Alyssa, encapsulando-a.
— Eu não sei, Aly. Há muitas incertezas quanto a isso.
— Eu acho que deveríamos esperar.
A garota observou o irmão negar com a cabeça. Sentiu como se seu coração fosse amarrado.
— Já esperamos demais. Temos que tomar cuidado para não ser tarde. Gaëlle foi para um lugar onde nenhum de nós pode cuidar dela. Está só agora.
Na verdade, estava só há muito tempo.
Alyssa empertigou-se, de repente com vontade de chorar. E se ele estivesse certo? Mas e se não estivesse?
Abaixou o olhar, como se isso a impedisse de chorar.
— Então talvez devêssemos mesmo continuar.
Mas nem mesmo Renoward tinha certeza se era isso que ele queria. Tinha a esperança que há muito não sentia. E se sua irmã estivesse certa? E se aquele fosse o dia em que Gaëlle voltaria, mas eles não estariam lá para auxiliá-la?
A garota havia pedido que fossem por causa de reforços. Talvez porque sabia que precisaria de ajuda. Provavelmente estaria machucada, ou alguém estaria demasiadamente perto de capturá-la de novo e ela poderia aguentar correr até a estação do sul.
Naquele dia, duas horas antes do horário costumeiro de partida dos soldados, Renoward tinha tomado uma decisão.
Talvez fosse em vão, mas, ao menos, tentara fazer alguma coisa.
E esperava mesmo que estivesse certo. Pela primeira vez em muito tempo, ele não tinha certeza do resultado de suas ações.
Próximo capítulo: Sábado (23/12), às 15:00, horário de Brasília.
Se possível, vou postar na sexta, mesmo horário que seria no sábado. Se não, apenas dia 23 mesmo 🥺
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Arthora | A Ascensão dos Sete Reis
FantasyGaëlle nunca imaginou que sua vida poderia se tornar um pesadelo tão cruel novamente: prisão, tortura e o desprezo constante. Cada dia é uma luta, e suas preces se tornam súplicas desesperadas por um retorno ao lar, ansiando pela oportunidade de exp...