Quando os destroços caíram sobre a terra, senti meus machucados arderem.
O trem tomou velocidade a tempo o bastante para que nada nos atingisse, mas uma faca foi cravada no meu coração. Ou pelo menos, a sensação era a mesma.
Tantas pessoas mortas. Pais, mães, filhos que esperavam voltar para casa. Só quem se salvou estava dentro do trem. As espectros morreram. Ao longe, quando a locomotiva já corria, eu vi a estação se afastar. O telhado, quebrando e fazendo com que o fogo se alastrasse e ficasse pior. A fumaça, que subiu ao céu, como um grito de socorro.
Eu chorei. Encolhi o corpo, abraçando a barriga, enquanto sentia minha cabeça girar e doer, e os sons ao redor ficarem fracos. Minhas entranhas ardiam.
Virei-me para Tinny. Ela respirava, fraca. Os lábios estavam roxos, a pele fria. Mesmo assim, minha amiga piscou, semicerrando os olhos.
— Está tudo bem?
Eu assenti.
— Vou cuidar de você.
Era melhor poupá-la disso.
Havia gritos do outro lado da porta, das pessoas desesperadas do que viram e ouviram da estação.
Chorei baixinho enquanto limpava a ferida dela. Começara a infeccionar. Não haviam muitos utensílios que me auxiliassem, mas fiz o que pude. Quando enfaixei, Tinny pareceu recuperar um pouco da cor.
Então, fiz o que podia com o corte nas minhas costas. Lidei sozinha e sabia que meu curativo não tinha sido bom os bastante para evitar qualquer sangramento, entretanto, eu não podia perder muito tempo. Troquei de roupa.
Não sabia se deveria acordar Tinny.
Portanto, deixei ela com as mesmas roupas; uma camiseta verde grande demais para ela e uma calça preta rasgada, que lhe servia apenas até os tornozelos.
Foi uma hora de viagem.
Durante todo o tempo, minha amiga dormiu.
E eu chorei todas as lágrimas que podia chorar. Quando avistei a estação de céu aberto do sul, estremeci.
Não queria descer. Talvez existissem espectros. E, se eu descesse e eles estivessem lá, poderiam matar-me queimada, apesar de que eu duvidava que aconteceria desse jeito.
Podiam tirar Tinny de perto de mim e então me arrastariam para fora e fariam com que eu a assistisse queimar. Ou a levariam junto.
A estação abriu-se em um mundo de árvores floridas cor-de-rosa. Durante a maior parte do ano, durante o frio, as árvores daquela estação floresciam. Ninguém entendia como. Durante o inverno, as flores deveriam cair e as folhas secarem, mas nunca era assim que ocorria.
As lamparinas eram pretas e eram decoradas com folhas de ferro pintadas de preto onde as pontas dos galhos seguravam as lanternas de tom amarelado. Dos dois lados dos trilhos do trem, a decoração consistia em vasos brancos com margaridas e grandes vidraças de mosaico colorido. As vidraças, durante o dia, refletiam a luz. Durante a noite, pareciam assombrosas.
Atrás da estação, estavam as docas. Era costumeiro que moradores de rua morassem nas docas; eram vazias. Não havia mais comércios para o lado de fora e eram escondidas o bastante para que eles se sentissem seguros.
— Onde estamos? — a voz fraca de Tinny me fez virar para ela.
Estava acordada. Mais corada depois que a esquentei com um cobertor que peguei nas prateleiras daquele quartinho.
— Na estação do sul.
Ela fez uma careta de dor e desprezo.
— Pensei que odiasse esse lugar.
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Arthora | A Ascensão dos Sete Reis
FantasyGaëlle nunca imaginou que sua vida poderia se tornar um pesadelo tão cruel novamente: prisão, tortura e o desprezo constante. Cada dia é uma luta, e suas preces se tornam súplicas desesperadas por um retorno ao lar, ansiando pela oportunidade de exp...