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Meu pai me fez uma visita no dia seguinte. Pela primeira vez.

Fui acordada pelos gritos de Markus pelos corredores do compartimento. Quando observei Tinny, sob a luz da lareira, ela se encolheu. Recuperara quase toda minha visão, mas ainda estava levemente embaçada.

Minha amiga, entretanto, estava machucada. Vi sangue manchar sua testa, mas ela não tinha se dado o trabalho de limpar.

Antes mesmo que eu quisesse questioná-la na base dos sussurros, a porta se abriu revelando meu pai, furioso.

— Eu já disse a vocês! Eu preciso dela viva!

Ele se aproximou de mim, agarrando meu braço e me forçando a levantar. O tintilar das correntes foram altos. Seus olhos, tão cruéis, me analisaram. Eu desviei o olhar, mas ele segurou minha cabeça, trazendo meus olhos em sua direção de novo enquanto o general, ao lado dele, segurava uma lanterna, dificultando minha visão.

— Você está enxergando? — questionou Markus.

— Com essa lanterna na minha direção, com certeza, não.

Ele me soltou. Trocaram a lanterna por dois lampiões.

— Vamos trocar nossos pesquisadores — disse ao general. — De um fim neles e substitua-os. Preciso de gente mais competente.

— Sim, senhor.

Porém, o homem não se mexeu. Permaneceu ali, como se a ordem devesse ser cumprida apenas depois. Meu pai mexeu a mandíbula, flexionando-a. Segurava o lampião perto de mim e ultrapassara a linha que indicava o limite das correntes. Entretanto, antes mesmo que eu pudesse pensar em fazer alguma coisa, observei Tinny do outro lado do cômodo, encolhida.

Ela estava com medo.

— Te deixar cega talvez não fosse má ideia — disse Markus. — Você enforcou meu filho a alguns dias atrás.

— Seu filho precioso estava dizendo que tinha um plano para te matar, caso não sabia. E mesmo que essa seja uma das minhas grandes vontades, eu decidi colocar um fim naquele assunto.

— Me matar? — Ele riu. — Acha mesmo que Julian gostaria de me matar?

— Não acho. Mas ele estava tentando me manipular. Acho que essa parte puxei para você.

Meu pai ficou em silêncio.

Eu sentia tanta, tanta saudade de casa...

— Os exames se encerram hoje. Não quero mais correr o risco de te matarem.

— Como se você não fosse fazer isso, não é?

— O que vou fazer precisa acontecer no momento certo. Até lá, você permanece aqui, presa sob minha vigilância.

— E até quando isso vai durar?

— Até ter que durar. O correto é te matar na primeira hora do solstício de Inverno. Você tem dois meses de vida.

Meu estômago fez um nó bem feito.

— Você fala como se isso fosse normal.

Ele fez um gesto de desdém, gesticulando a boca em desgosto e virando as costas para ir embora.

— Eu até poderia me importar com você, mas não me importo com protótipos.

Comprimi os lábios. Por mais que isso fosse difícil de ouvir, mantive-me firme.

Acaso, isso poderia ser coisa da minha cabeça, entretanto eu decidi ir mais fundo.

Deslizei a língua entre os dentes, movendo-me levemente para o lado, sabendo que o tintilar das correntes entregava meu movimento.

— Eu quero ser um espectro.

Isso pegou a atenção dele.

Markus, que já caminhava na direção da porta, voltou-se para mim, estreitando os olhos.

— Como é que é?

— Você ouviu. Me transforme logo em um espectro, como você sempre desejou.

Porém, ele sorriu. Um sorriso largo, mostrando os dentes e começou a gargalhar.

— Ah, garota. Eu vou matar te matar logo, logo. A sua chance de virar um espectro já foi. Teve sua oportunidade de vir comigo enquanto seu irmão estava vivo, mas agora você tomou o lugar dele. Eu não preciso de um arthoriano puro para ser um espião, mas preciso para que morra em função da Torre.

— Talvez eu seja mais útil assim.

Ele riu de novo, torcendo o nariz.

— A sua única utilidade é o sangue. Pare de me fazer perder tempo.

Assim, ele virou-se, onde trancaram a porta de novo.

Tinny olhou para mim, procurando explicações.

Em uma coisa, meu pai estava correto. Eu era esperta como ele, sabia muito bem conseguir informações caso eu quisesse, e eu tinha acabado de fazer isso.

Havia uma forma de fugir. Pequena, chance tão minúscula como uma agulha em um tinteiro, porém não era nula. Nunca era.

Observei minha amiga, sentindo meu coração bater mais forte dentro de longas semanas.

Arrastei-me até a garota, estreitando os olhos que, apesar de melhores, ainda estavam com um pouco de dificuldade em me deixar ver. As correntes não me deixaram aproximar-me de fato, deixando, ao menos, cinco passos de distância.

— Você está bem? Por que está sangrando?

Tinny pareceu lembrar-se da ferida. Tampou com a mão com os olhos arregalados.

— Eu estou bem — afirmou. — Não se preocupe.

— Tinny, eles te pegaram?

Ela não respondeu. Pareceu minimamente amedrontada.

— Tinny...

— Eles me levaram para outra sala.

Então, ela me explicou o que aconteceu. Sua voz estava tão pesada de emoções... Eu não pude deixar de chorar junto, sentindo meu coração ser amarrado pela dor.

Prefiro não registrar o que foi feito à Tinny quando a retiraram do quarto sem meu consentimento. Não quero levar para frente as coisas que me foram ditas nem mesmo guardar muitas memórias daquele passado cruel. O que registro aqui são poucas as coisas que foram feitas. Entretanto, por minha preferência e a pedido de Tinny Woult, as coisas em que ela foi submetida serão mantidas em segredo.

O olhar da minha amiga expressava mais sua angústia do que ela não verbalizou.

A raiva e o medo dançaram em uma linda valsa dentro do meu peito.

Eu deveria ter desconfiado do meu pai, mas não imaginava que ele passaria tão longe de cumprir a promessa. Continuar mandando Tinny para qualquer tipo de tortura sem necessidade era psicopatia.

— Eu sinto muito — balbuciei.

— Está tudo bem — Tinny soluçou. Talvez pela dor, talvez pela aflição.

Um badalar diferente soou naquele momento. Um tique-taque insano, alto e pavoroso. Algo que dizia que estava na hora. Senti meu sangue ferver. Por toda a injustiça em Ayllier e todo o mal que causavam. A justiça, claro, não era minha.

Se era sangue que Markus queria, era isso que ele teria.

— Tinny, — abri um sorriso — nós vamos sair daqui.





Se possível, próximo capítulo será postado dia 01/01/2024, às 18:00. Caso contrário, virá depois do dia três, pois volto de viagem nesse dia.

Bom ano novo para vocês, leitores. Obrigada por fazerem parte do meu 2023<3

Com amor, Esther.

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora