47

92 15 36
                                    

Quando cheguei no salão, já era tarde demais.

* * *

Alyssa e eu saímos em disparada. O ambiente estava tão frio que bati os queixos quando subimos as escadas espiraladas e nos apressamos em direção ao salão.

Sentia enjoo e ânsia, e Alyssa parecia igualmente atordoada.

— Eu vou chamar Zahara e os gêmeos — gritou ela. — Tire os outros de lá que nós te acompanhamos até o Jardim.

Antes que eu pudesse responder, Alyssa já estava tomando outro corredor como caminho, segurando a saia acima do joelho, em direção às escadas que levavam aos andares dos quartos.

Apressei o passo, sentindo-me ansiosa. Aquela sensação angustiante me sufocava e fazia ficar ainda mais frio.

Havia uma gritaria do outro lado da porta. Eu as abri com força, mas nem isso foi capaz de tirar a atenção de quem estava no baile. Vidrados. Todos vidrados e praticamente congelados, exceto por meus amigos.

Com a respiração entrecortada, tentei pensar em uma solução rápida.

Harvey estava de pé, de frente para Zylia. Esta, entretanto, não estava bem. Algo invisível apertava seu pescoço, sufocando-a, espremendo suas entranhas. Ela levava a mão ao pescoço. Os lábios começavam a ficar arroxeados.

Eu corri, desejando alcançá-la. Algo saiu da minha garganta numa mistura esquisita entre medo e aflição.

Ah, se eu pudesse...

Braços me seguraram. Eu me debati, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto suado.

Renoward segurou meus cotovelos e balançou a cabeça veemente.

— Não faça isso. — A voz suplicante dele fez meu coração doer.

— Por que você não está fazendo nada? Ele vai matá-la!

— Vai matar todos nós — disse, firme. — Fique quieta, eu sei como resolver isso.

— Ah, não. — A voz de Harvey interrompeu nossa conversa. Ele riu, maníaco. — Seu amigo não vai fazer nada. A não ser que queria essa coisinha viva.

Quando o grupo era ameaçado, era difícil saber que decisão tomar. Ter que decidir entre Zylia ou os outros. Entre perder a tenente, minha amiga, minha irmã, ou colocar a vida de outras pessoas que eu amava em jogo?

Zylia pediria para morrer, se pudesse falar. Diria que estava tudo bem, porque ela preferiria morrer sabendo que estávamos vivos. Mas eu imploraria e quebraria pedra por pedra daquele castelo se apenas a minha vida dependesse disso.

Fechei minha mão em um punho.

— Aliás, se você não fizer alguma coisa, Gaëlle Provence, eu não vou me importar de apertar tão forte ao ponto de arrancar a cabeça dela fora.

— O que é que você quer? — Ao invés de forte, minha voz saiu esganiçada, chorosa.

— Você sabe o que eu quero.

Ele abriu um sorriso nada piedoso.

— Eu quero poder, Gaëlle Provence! E se você não casar-se comigo, eu vou...

Um barulho estrondoso foi ouvido. Um cheiro de água fresca invadiu minhas narinas. No chão, uma névoa prateada levantou-se, serpenteando os azulejos do chão, rodopiando as canelas das pessoas e subindo, sutilmente, as pernas de Harvey até enrolarem-se no pescoço, nos braços e no peitoral dele.

O príncipe de Parvin foi arremessado para o outro lado do salão, batendo com tanta força contra a parede que a fez rachar.

Passos foram ouvidos e Ayaz apareceu. Com as mãos enfiadas no bolso, havia um olhar frio como de seu próprio reino. Como se Ayaz fosse Tuorc. Ou fosse feito para ele.

Ele se aproximou de Harvey, que agonizava, debatendo-se na parede, lutando contra a névoa.

— Vai o quê? — disse Ayaz. — Matar Zylia? Nossa. Quanta criatividade.

Com um olhar duro, o rei de Tuorc cerrou os dentes.

— Solte-a — disse.

Lágrimas escorreram pelos olhos de Zylia. Começavam a ficar vermelhos. Com as mãos, ela arranhava o próprio pescoço, tentando arrancar o que lhe sufocava.

Harvey balançou a cabeça.

— Solte-a. Agora. — Exigiu Ayaz.

Não houve resultados. A névoa dançou, percorrendo o corpo de Harvey.

— Sabe, não é muito difícil para mim, mas é tolice você achar que consegue ser mais forte do que eu. Se eu quiser, posso quebrar seus ossos... — Um estalo foi ouvido e Harvey gritou de dor quando o braço dele entortou-se de uma forma bizarra. — ... numa facilidade surpreendente. Que tal mais um?

Mais um estalo, mais um osso. Harvey berrou, mas não abriu mão de Zylia.

Ayaz aproximou-se mais ainda do príncipe, abaixando a voz.

— Uma vez, fui acusado de assassinato, apesar de injustiça. Talvez eu seja acusado de novo, porém desta vez, será mesmo culpa minha.

A névoa enrolou-se no pescoço de Harvey. Ele foi levemente entortado e o príncipe de Parvin gritou, como se implorasse para que isso não fosse feito.

— Eu vou contar até três — cantarolou Ayaz. — Um...

Mais um osso quebrado. Harvey suava.

— Dois...

Os olhos de Zylia começaram a se fechar.

— Três...

A tenente foi solta.

Eu corri até ela, sentindo as lágrimas descerem ao encontrá-la desacordada. Harvey caiu no chão, desacordado.

Toquei o ombro de Zylia, deixando a água salgada pingar sobre seu corpo. A boca estava sem cor; o corpo, tão mole.

— Não...

Minha visão tornou-se borrada. Em algum momento, Aaden e Renoward juntaram-se ao meu lado, mas não ouvi nem vi o que fizeram. Eu apenas toquei a testa dela, sentindo-a, de repente, começar a esfriar.

Então, solucei, debruçando-me sobre Zylia.

O brilho dos sapatos de Ayaz também não foi capaz de tirar minha atenção nem parar meu choro, nem o som de agonia que eu soltei.

Zylia não podia me deixar também. Ela prometeu ir até o fim.

Eu só levantei quando Ayaz a pegou no colo, levando-a. O corpo de Zylia quase derreteu sobre os braços dele.

Lágrimas também escorreram pelos olhos dele. Lágrimas prateadas, como as de um Valyriunm puro. Ayaz apertou Zylia contra si, deixando o soluço vir.

Eu me levantei, pronta para implorar para que ele não a levasse. Não ainda.

Porém, o rei de Tuorc balançou a cabeça.

— Ela não esta morta. — Ele deu um sorriso vacilante. — Zylia não está morta. Ela precisa de um médico.

O encarei. O que...

— Um médico especialista. E urgente.

— Ayaz...

— Ela não morreu, Gaëlle. Está desmaiada, com pouco ar no cérebro e nos pulmões. — Então, abaixou o tom de voz. — Eu não teria feito tudo o que fiz para perdê-la de uma forma tão burra.

Então, o rei me encarou.

— Vai. Entre no Jardim, pegue o que precisa. Vamos partir. Conheço um lugar que vai ajudá-la.

— Mas...

— Eu consigo mantê-la viva, mas não por muito tempo. Vai.

Não olhei, não implorei. Corri para as portas que levavam ao lado de fora do castelo.



Próximo capítulo: 30/03/2024 ou 31/03/2024.

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora