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Renoward queria dizer a ela. Queria muito dizer a ela como seu coração palpitava quando ela o chamava. Ou quando ela sorria para ele. Queria poder dizer que ele não queria mais nada além da presença dela e que, mesmo que fosse apenas silêncio, mesmo que o tempo passasse devagar, ou as estações de Ulyan fossem corrompidas, ele sempre amaria estar ao lado dela.

Esse era um dos segredos que Zayin queria muito contar a ela. Não Renoward, não o soldado. Zayin, o príncipe de Sulman. Ninguém nunca o chamara assim dando tanta importância para sua descendência, com tanta personalidade.

Ele queria que ela perguntasse. Queria poder responder, mas ela caiu pacificamente no sono antes de qualquer outra pergunta.

Enquanto o dia tomava seu tom de azul, ele a observou dormir, sem ser capaz de tirar os olhos dela. Seria normal achar alguém tão bonito enquanto dormia?

Zayin queria contar a ela. Queira dizer-lhe que Gaëlle era o único rosto que via quando fechava os olhos. Que Laney era mesmo o passado e que Alyssa nunca esteve tão certa quanto a isso. Que o anel que carregava no dedo não era daquela garota que, outrora, ele amara.

Ele sabia também que cuidar dela era um risco, mas Erverhart não pensaria duas vezes antes de persuadir os Konathus para que ele fosse prejudicado e não ela. Poderia fazer mais um trato, talvez ter mais algumas horas de pesadelo constante. Sabia que era uma péssima ideia, mas, Santo Imperador, como ele faria mesmo de tudo para salvá-la!

— Sinceramente, estou impressionado.

Aaden sentou-se ao lado de Renoward antes que ele pudesse fazer alguma coisa. Observou o amigo que segurava a garota ruiva com tanto carinho.

— Você me imaginava sem coração, não é? — caçoou o príncipe.

— Acho que todos, amigo. — Riu.

Houve silêncio. Era o tempo de fazer um chá ou um café. Ou desembrulhar algumas frutas da sacola e cortá-las.

— Você contou a ela? — questionou Aaden, ansioso. Estava com assuntos pendentes na ponta da língua.

— Sobre o quê?

— A cicatriz.

Os olhos do príncipe baixaram até a menina, que sonhava.

— Ainda não.

— E o que é que você pensa em fazer?

O príncipe ponderou.

— Da última vez, Ridgar fez questão de me mandar os restos de quem ele matou. Eu pretendo não tirar os olhos de Gaëlle.

— Acha que seu pai vai vir atrás dela?

— Tenho quase certeza que ele está usando os Konathus para isso. Meu pai negocia com trocas de serviços e ele pode fazer muito disso porque tem um reino inteiro sob seu comando.

— É. Tecnicamente é possível. Da última vez implicaram especialmente com Gaëlle.

O soldado de máscara assentiu, acariciando o cabelo da menina.

— Não vou deixar isso acontecer de novo.

Aaden abaixou o olhar. Manteve-se distante, com a cabeça enevoada. Renoward sabia que ele estava nervoso. Sabia disso porque seu amigo sempre prendia a respiração quando estava especialmente nervoso.

— O que o incomoda?

Portos não respondeu.

O príncipe de Sulman esperava não acordar Gaëlle ao conversar muito com Aaden. Não queria que ela ouvisse as próximas palavras.

Não que ele gostasse de esconder coisas dela, mas sabia que Portos não gostaria que a menina soubesse desse lado da vida dele.

O soldado evitada contar a todas as pessoas. Evitava compartilhar o lado mais pesado de sua história, que ainda o assombrava, de vez em quando, sob a penumbra da noite. Aaden era um homem valente. Mas isso não o impedia de chorar por um colo que nunca teve.

— É ela, não é?

Aaden assentiu, sombrio. Renoward não sabia se abraçava Gaëlle mais forte ou se a escondia das árvores.

— Aparentemente, ela também está envolvida — respondeu Portos.

— E quem não está?

O soldado inclinou a cabeça.

— Por sorte, Zahara não está.

— Hm. Uma entre mil que não está envolvida. O mundo inteiro está nessa guerra.

Aaden reclinou o corpo, curvando-se para frente com uma careta de dor mesclada ao nojo.

— É. A diferença é que ela tem um testamento contra mim. Se me derrubar da Corte Privada, pode ser o fim, não apenas para Zylia, mas para todos nós. Com um ponto final no lugar errado e seremos derrotados por meras palavras.

— Acha que acreditariam nela?

— Ela é minha mãe, Zayin. Acreditariam nela tanto quanto acreditaram quando ela assassinou minha irmã e sujou meu nome.

— A corte em Álix é diferente de Norvton, Aaden.

— É diferente, mas não a faz santa. Você se esqueceu que Mortessa tem uma lábia de corroer os ossos.

Renoward sabia, sabia disso. Aaden Portos compartilhara as loucuras que a própria mãe fizera a ele. O que mais o admirava era que aquele soldado nunca desistiu de sua felicidade. Apesar de tudo, Aaden sempre tentou reanimar o grupo.

A verdade é que, Mortessa Orponse nunca tentou se redimir com o filho. A roupa, os convites a morar junto, tudo era uma grande forma de tentar derrubá-lo.

— Ela sabe que a herança da família foi passada para mim desde a morte de minha irmã. Meu pai deixou para Lyra tudo o que ele tinha. Já não era muito, mas é bastante dinheiro envolvido quando contamos mais de quarenta anos de profissão.

— E o que pretende fazer?

Aaden ficou em silêncio. Corroído por suas próprias decisões, tocou no ombro do seu fiel amigo.

— Você realmente ama Gaëlle?

— A amo demais.

— Então não tire mesmo os olhos dela. Porque virão atrás da gente. E quando isso acontecer, será o mundo contra nós.


Previsão do próximo capítulo:  Até 29/04/2024.

(Possivelmente antes, porém estou em semana de provas, o que dificulta um pouco. Logo voltamos à programação normal).

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora