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Ah, ai está você!

Eu lancei um olhar a Renoward, torcendo para que ele entendesse o que eu queria dizer. O soldado assentiu, daquela forma tão sutil que apenas percebi porque estava olhando-o.

Ele se lembrava de Levent.

Havia tanta coisa na minha cabeça que não sabia por onde começar. Talvez tudo o que eu quisesse era apenas sair dali, em paz.

Levent aproximou-se de mim. Havia um sorriso terno e uma hesitação estranha em seus olhos.

— Obrigado — disse. — Eu achei que Harvey ia conseguir fazer sua cabeça, mas você conseguiu. Você entrou no Jardim e quebrou a barreira que mantinha-nos presos.

O encarei, séria.

— Desculpe, eu não entendi.

Levent suspirou.

— Harvey aprisionou todas as pessoas que discordavam dele. Os pais, os primos, os amigos, os confidentes... até a primeira noiva dele.

Pelo canto do olho, vi Tinny esfregar a testa. Estava pálida. Parecia fraca, talvez pela comida que estava faltando.

— Por quê? — questionei. — O que ele queria fazer?

— Harvey ia usar o casamento para intensificar os poderes, apenas. Não sei como ele conseguiu isso. Ele controlava as pessoas do salão. Aprisionou a mente de todas elas, manipulou-as dizendo que queria o bem.

— E quem garante que podemos confiar em você? — Tinny manifestou-se. Minha amiga lançou um olhar para mim; suplicava para irmos embora.

Voltei-me para Alyssa. Ela assentiu, mordendo o lábio inferior e apertando os braços contra si.

— E não podem. Não recomendo.

Levent olhou fundo nos meus olhos.

Um barulho alto foi ouvido. Fumaça começou a descer pela ventilação. Não era como a névoa de Ayaz. Era espessa e escura e descia com peso sobre o chão.

Harvey.

— E acho que devem ir. — Levent engoliu em seco.

Apontei um dedo para ele.

— Se for você a fazer isso, juro que sua garganta vai ser a próxima a sangrar.

— Corre!

Tudo intensificou-se rápido demais. Levent arrancou a grade da ventilação, agarrou a cadeira de Tinny assim que ela se levantou e arremessou para dentro das tubulações.

Nós nos atropelamos para sair do lugar. Ayaz pegou Zylia no colo. Eu segurei Barrie.

Corremos para o salão, cruzando-o em direção as portas para o lado de fora. Para a liberdade.

Passamos por entre as pessoas do salão, ainda petrificadas. Cheiro de enxofre subiu no ar. Meu coração batia forte contra o peito, mas meus passos diminuíram, tornando-se densos, como em areia quente.

Então eu parei. Tinha que parar. Sabia que aquilo era mais necessário do que qualquer liberdade.

— Renoward!

O soldado não pensou duas vezes; veio correndo, com um olhar preocupado. Com a respiração entrecortada, o cabelo bagunçado, o traje, mesmo que descuidado, ainda o tornava elegante.

— O que foi?

Coloquei Barrie nos braços dele.

— Gaëlle...

— Leve-a para um lugar seguro. Garanta a segurança dos outros. — Como se ele não fizesse isso. Sempre fez. Confiava nele. — Eu preciso pegar uma coisa.

Renoward queria questionar-me. Eu sabia disso, pela forma como me olhou, mas ele não me impediria de tal coisa. Ele sabia que precisava me deixar tentar.

Uma das coisas que eu não entendia, era que este homem faria de tudo para me proteger, mas sempre permitiria que eu escolhesse traçar meu caminho. Caso eu decidisse que era melhor assim, partindo de minha escolha, Renoward jamais impediria. Eu era livre para escolher.

O príncipe aproximou-se, dando-me um abraço apenas com uma mão. No colo dele, Barrie também lançou os bracinhos ao redor dos meus ombros.

Foi pouco tempo nos braços dele. Foi pouco tempo ouvindo seu coração bater como um metal forte. Desejaria ter ficado mais ali. Não sabia exatamente o que pensar sobre isso, mas era absolutamente maravilhoso a forma como eu apenas me sentia segura.

Quando ele se afastou, tocou meu rosto, fazendo um carinho gentil na bochecha.

— Por favor, volte.

Sorri, vacilante.

— Eu vou.

Antes que eu não pudesse mais subir aquelas escadas nem mudar de ideia, nem desfazer minha promessa que voltaria, afastei-me.

E então corri palácio adentro.

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora