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Aquele balançar suave do andar de Renoward me fez pescar os olhos.

Eu me agarrei ao pescoço dele, enterrando a cabeça e tentando ignorar o quanto qualquer movimento latejava os ossos.

Em um dos momentos, uma de suas mãos repousou sobre minha cabeça antes de ele se abaixar e me colocar no chão, apoiando minhas costas na árvore. Então ele se abaixou na minha frente, tampando minha visão dos tornozelos.

Eu pisquei, sem a menor força de fazer uma pergunta ou levantar os braços.

— Estamos perto — disse. — Mais uns dois quilômetros.

Eu assenti.

Renoward se virou, juntando meus tornozelos. Ele colocou meias firmes que aliviaram instantaneamente a dor e arrumou o cobertor de plumas que eu nem mesmo havia reparado que estava sobre mim.

— Logo você vai poder vestir roupas quentes.

Então ele enfiou a mão dentro da mochila e retirou uma garrafa de água. Quando engoli em seco, percebi que estava com sede. O príncipe de Sulman abriu a garrafa e me deu água, devagar.

— Renoward... — toquei seu braço. — E os outros?

— Estamos aqui, ruivinha.

Aaden apareceu no meu campo de visão. Parecia exausto. Tinny também, com outra garrafa de água, ao qual ela colocou dentro da mochila de Renoward.

— Por favor, não faça isso de novo — disse ela. — Eu não quero perder minha melhor amiga.

Não tinha visto eles. Nem ouvido. Mas imagino que havia muito silêncio.

Eu abri a mão e Tinny a segurou, aproximando-se de mim e dando um beijo na minha testa.

— Eu não gosto de ameaças, mas se fizer isso de novo, mato você antes que possa morrer.

Eu ri. Sem forças, movimentei os lábios, dizendo "Eu vou cometer muitas loucuras ainda".

Ela revirou os olhos.

Quando se afastou, minha mão se direcionou para a de Renoward. Retribuindo, ele segurou-a, acariciando as costas dela com o dedo.

— Estamos apenas fazendo uma pausa — disse. — Não sei se recomendo você dormir ou te distraio para que não desmaie.

Eu ri. Eu conseguia ouvir o farfalhar de alguns passos, a movimentação, a preparação do acampamento. Queria poder ajudá-los.

Depois de minutos em silêncio, o príncipe de Sulman virou as costas, fazendo menção de ir embora, mas eu segurei o mais firme que pude a mão dele.

Renoward voltou-se para mim.

— Fique aqui comigo — pedi. — Não vá embora.

Ele sorriu. Sabia que sim. Queria tanto ver o rosto dele...

— Eu não vou embora, meu amor. Mas eu preciso pegar uma coisa para você.

Então, afastou-se. Voltou com uma tigela com um líquido esbranquiçado. O cheiro entortou meu estômago.

— É um analgésico natural que Zahara fez para diminuir sua dor.

— Não parece gostoso.

Mesmo assim, eu tomei. Devagar, sentindo o estômago dobrar-se num nó cego. Quando acabei, Renoward pegou a tigela e lavou com um pouco da água de uma das garrafas. Então, me ofereceu alguns mirtilos.

Eu neguei.

— Gaëlle, precisa comer. Está há tempo demais sem nada no estômago.

— Estou com muito enjoo. Não quero.

Imaginava eu ser por causa da dor. Eu não conseguia me concentrar. As coisas que vi nos últimos minutos em Parvin podiam responder muitas perguntas, mas eu não conseguia raciocinar. Não conseguia nem mesmo marcar o tempo.

O soldado então sentou-se ao meu lado, deixando os mirtilos próximos a mim caso eu mudasse de ideia.

— Está com muita dor?

Eu fiz que sim com a cabeça. Lágrimas brotaram nos olhos.

Então, silêncio.

Ao ter uma visão um pouco mais ampla do acampamento, senti o coração apertado.

Cabeças baixas. Zylia ainda estava desacordada. Ercan dormia, solene, mas assim que me viu pousar os olhos sobre ela, Barrie levantou-se e caminhou até mim. Então ela se jogou aos meus braços. Os soluços de Barrie cortaram meu coração.

Eu a abracei apertado de volta.

— Eu fiquei com medo — disse, manhosa.

— Barrie...

— Zylia vai morrer? Eu não quero que ela morra.

Esfreguei as costinhas dela, sentindo vontade de chorar também.

— Eu não sei.

— Mas eu não quero — ela soluçou.

Deixei então que chorasse e soluçasse o quanto pudesse. Tentei evitar meu soluço. Não queria que ela ouvisse.

Aos poucos, Barrie tornou-se sonolenta em meus braços. Antes que eu puxasse mais a coberta de plumas sobre a garota, Renoward apareceu do outro lado e jogou um cobertor sobre a menina.

Comecei a retirar o meu.

— Não deixe os outros com frio.

Ele negou.

— Está tudo bem, Gaëlle. Conseguimos alguns cobertores.

— Como...?

— Esbarramos com alguns faunos. Eles sentiram o cheiro de Harvey e perceberam que estávamos fugindo. Doaram cobertores, frutas, coldres de água e alguns pães. Tem o bastante para todos.

Eu sorri, animada.

Yüksek estava cuidando de nós. Por mais difícil que ficava, ele sempre se demonstrava presente.

Puxei novamente o cobertor.

— Olha, Gaëlle. — Barrie apontou para o céu de noite estrelada. — Podemos ver as estrelas!

— Uhum. Qual a sua favorita?

Ela pensou por alguns instantes antes de apontar para uma solitária, a mais brilhante.

— Aquela.

— E por quê?

— Ela me lembra Yüksek.

— Yüksek?

— Sim. Ercan me falou sobre ele e nós começamos a falar com o Imperador. Acredita que ele atendeu nosso pedido?

Se havia sono em mim, dissipou-se em poucos segundos.

— Nossa... isso é ótimo, Barrie. É, de fato, muito bom.

— Sim. Eu o imagino como uma grande estrela. Ele brilha mais do que todos e é muito mais forte do que qualquer um.

Eu a puxei mais para perto, deixando Barrie relaxar.

— Você não poderia estar mais certa, jujubinha.

A menina gargalhou ao ouvir o apelido. Ela levantou os olhos para mim, brilhando.

— Jujubinha?

— Sim.

— Por que jujubinha?

— E tem alguém que não gosta de jujubas?

Barrie deu de ombros.

— Algumas pessoas.

Não soube responder. Nós duas sabíamos o sentido da frase de Barrie. Eu sabia ao que se referia.

Barrie abriu um sorriso banguela. Os cabelos loiros balançaram com o vento.

— Eu gostei — disse, por fim.

Quando vi, a menina já tinha adormecido em meus braços.

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora