2

71 19 3
                                    

Vingança não é algo que eu desejaria para alguém. A vingança é cruel. É uma parte do ser humano distorcida, onde tudo o que se passa na cabeça dele é o mero pensamento de que ele pode fazer justiça com as próprias mãos. Como se o ato de julgar fosse, por direito, nosso.

Mas a questão é que, quando aqueles olhos demasiadamente bonitos pousaram em mim, a minha primeira ação foi pensar em como seria bela a cena em que eu o banhava de rum com estilhaços da própria garrafa, quebrada, cruelmente, em sua cabeça.

Meu pai carregava tal beleza irresistível. Tinha o rosto formoso, dentes perfeitamente alinhados; o cabelo loiro areia caía em um penteado elegante. O nariz era esbelto e o sorriso, de covinhas do meu irmão, era lindo. Mas tamanha beleza não fazia jus ao seu caráter. Enquanto ele era admirado por ser bonito, Markus conseguia ser pior do que cruel.

O que, lógico, aumentava meu desejo de fazer um corte bem profundo por seu estômago. Talvez afundar uma lança em suas entranhas. Não sei. Era difícil decidir o que fazer primeiro.

Ele levantou-se da cadeira, com passos vagarosos, até mim.

Os soldados me soltaram e pude ficar, finalmente, frente a frente com meu pai, livre para poder socá-lo. Só que Markus sabia que eu não o faria.

Tinny ainda estava por lá e sua vida dependia da minha colaboração.

— Que tal tratarmos de nossos assuntos pendentes?

— Quais? O assunto em que você é um escroto ou o que deixa de ser pai?

Não sei porquê ele riu.

Ele recostou na mesa de madeira de carvalho, parecendo um tanto mais jovial do que o costumeiro. As olheiras haviam sumido; em seu lugar, uma pele perfeita assumira.

Nem parecia que era bebum.

Nem mesmo que estava em seus plenos sessenta e quatro anos.

Como a vida de um ser humano dura, em média, cento e vinte anos, meu pai era jovem demais. Havia pouco cabelo grisalho em sua testa.

Ele deu duas batidinhas na mesa, deslizando o olhar por seus guardas até pousar em mim de novo. Se não o conhecesse, diria que havia um olhar mais humanizado, como se, de repente, sentisse de fato amor por mim.

— Você conseguiu fugir das três vezes em que tentei te trazer para cá. Eu admito, fiquei muito impressionado. Achava que você era mais covarde.

— Ora, é mesmo? Poxa, talvez seja porque suguei toda a inteligência do seu cérebro antes de nascer.

Ele abriu um sorriso amargo.

— Você puxou o sarcasmo da sua mãe.

— Não mencione minha mãe como se isso fosse normal.

— E não é?

— Para quem a manipulou para que tivesse dois filhos, eu não acho que seja.

Por um breve momento, vi suas sobrancelhas subirem e descerem em um movimento de surpresa. Ele não esperava que eu soubesse.

Me questionava quando é que ele me contaria.

— Já que sabe, então deve imaginar o que vai acontecer com você nos próximos meses.

Engoli em seco. Ah, imaginava. Tantas e tantas vezes, que acabei deixando uma trilha de lágrimas no trem antes de chegar à Ayllier. Por medo, talvez, ou pela incerteza de um final. Talvez pelo vazio; a falta de Yüksek.

Não sabia onde ele estava. Nem se estava vendo minha situação, mas, por um momento, desejei rogá-lo para que viesse me buscar. Se eu morresse pelas mãos do Imperador, meu pai não poderia fazer nada comigo.

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora