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Tinny sobressaltou-se com o espanto de todos. Os olhos arregalados de Alyssa, o olhar desconfiado de Zahara, as mãos trêmulas de Barrie, as costas curvadas de Ercan e o alerta de Aaden.

A garota loira pegou uma corda, enrolando-a no braço com tala. Remexeu nas pontas chamuscadas e duras; estava ansiosa. Eu a conhecia. Quando Tinny pensava demais, ela costumava deixar os pertences espalhados em lugares inusitados. Talvez, logo mais, abandonasse a corda no pé da mesa e agarraria outro objeto.

Aparentemente, minha amiga já sabia o que nos aguardava por lá.

Zahara recostou na pedra, enroscando as tiras de cipós na mão, fazendo uma luva que permitia deixar seus dedos de fora.

— Parece que tudo indica que nossa próxima parada é, de fato, fora do Continente.

— Você conhece alguma coisa sobre aquela região? — questionei.

A Dyriug deu de ombros.

— Apenas o que os livros contam. Meu povo nunca teve lá muito interesse nos Konathus e eles em nós.

Tinny se empertigou.

— Os livros dizem que os Desertos são cercados por tempestades que deixam o solo muito lamacento e que é muito difícil de enxergar. Há boatos de certas criaturas que cercam os Desertos, mas eu não sei se é verdade.

Aaden recostou-se ao lado de Alyssa, de braços cruzados.

— Que tipos de criaturas?

— Não sei. O livro mais claro que encontrei sobre isso tinha algumas folhas rasgadas e os mais atuais não citam quase nada.

Como sempre, as informações sendo reprimidas do povo.

— Chegar e descobrir me parece uma péssima ideia. — Alyssa tamborilou os dedos no odre. — Será que não há nenhum registro sobre o que tem ao redor dos Desertos de Súlion?

A princesa elevou os olhos ao irmão.

Zayin deu de ombros.

— Se Ridgar guardava alguma coisa, sabia esconder muito bem. Tínhamos acesso completo à biblioteca de Sulman e nunca vi algo parecido.

— Nem mesmo em Álix? — questionei.

O príncipe de Sulman balançou a cabeça.

— Se foi registrado, os livros foram queimados e as pistas ocultadas. Desde a queda arthoriana, muita coisa se perdeu.

Zahara concordou com a cabeça, esticando o joelho direito. Pode-se ouvir um estalo.

— Isso talvez envolva a verdadeira causa da guerra. Nunca se sabe até que ponto é verdade. Podem ter distorcido a história completamente.

Ninguém disse mais nada. Passei os olhos por eles, um por um, até chegar em Zayin. Ele já me olhava, com aqueles lindos olhos verdes vibrantes. Algo me dizia que aquele soldado também desconfiava disso. Em Tuorc, ele me dissera coisas parecidas.

— Se você estiver certa — disse Alyssa, — essa é uma manipulação das grandes.

Tinny esfregou o peito.

— Os governantes têm cara de quem faz isso. Nunca revelam demais; deixam que as pessoas falem e gerem boatos, que geram lendas, salpicadas de mentiras.

— Salpicadas? Encharcadas, isso sim. A única verdade que podemos confiar aqui é sobre a escravidão e nada mais.

Observei Alyssa.

— Você não sabe nada? Nenhuma informação?

— Não sobre isso. Meu pai conseguiu fazer minha cabeça por um bom tempo até eu descobrir que os arthorianos não são a imagem que ele diz ser. É lógico que eu dei uma leve bagunçada na corte depois disso, mas nunca descobri nada sobre a guerra ou coisas de fora. A informação está escassa há muito tempo.

Levantei minhas sobrancelhas.

— Zahara?

Ela vinha de fora. Os Dyriugs possuíam um território ao lado de Álix, apenas um pouco mais para o nordeste. Em dois dias de viagem de barco, chegava-se em território loriano.

Mas a Dyriug balançou a cabeça, com os olhos pesados e trançando o cabelo branco.

— O único lugar que estive antes de chegar ao Continente foi em Norvton, e lá as informações são igualmente escassas.

Esfreguei minhas mãos no rosto, sentindo-me, de repente, zonza.

— Acham que está assim no mundo todo?

— Ulyan deve ter sido, sim, bastante atingida com isso — Aaden respondeu —, mas eu acho que em algum lugar, ainda exista mais informações do que aqui.

— Sem chance de irmos para lá, né?

Portos balançou a cabeça.

— Dar a volta ao mundo levaria tempo demais; muito mais do que temos.

— Então o que fazemos?

Houve silêncio. Eu puxei o ar com força, lembrando-me do Imperador. Precisava aprender a confiar nele. Tarefa simples, mas difícil naquelas circunstâncias.

Circunstâncias tomadas pelo trabalhar do Imperador. Eu não sabia deduzir, mas estávamos juntos ali. Como irmãos. Como filhos. Cada um estava lidando com uma sujeira interna, limpando, substituindo o piso velho pelo novo.

Naquela manhã, eu mesma respondi à minha pergunta.

— Nós devemos ir sem saber.

Olhos espantados caíram sobre mim.

— Precisamos... precisamos confiar no Imperador. Se Ele mandou, precisamos agir.

Medo enroscou-se no meu coração. Eu engoli em seco.

— Ela está certa.

Ayaz ergueu um dedo para cima, atordoado. Era a primeira vez que manifestava-se durante toda a conversa, mas era claro que ele havia prestado atenção. O rei, então, abaixou o dedo e ergueu o olhar para mim. Grandes manchas pintavam a parte debaixo dos seus olhos.

— Eu não sei o que vai acontecer. Nem com Zylia, nem conosco, nem quando chegarmos lá, mas Gaëlle está certa. Temos que confiar no Imperador. Não vai adiantar continuar nossa caminhada sem um pingo de confiança naquele que sabe o que faz então vamos enfrentar logo esses monstros e acabar logo com isso.

— Você quer ir por causa do médico, não é? — Talvez eu não devesse questioná-lo, mas eu queria ouvi-lo.

Ayaz respirou fundo.

— Eu queria. Mas ao ponto que está, Gaëlle, não há o que fazer. Harvey atingiu alguma coisa no cérebro de Zylia. Ela está praticamente em estado vegetativo. Se acordar, não seria surpresa caso continuasse sem responder. O médico não pode fazer nada, o que... — mais uma vez, o rei puxou o ar com força, ofegante — o que significa que a vida de Zylia depende do Imperador. A vida de todos nós depende dEle, então eu vou apenas... apenas fazer o necessário.

De repente, a preocupação me assolou novamente e senti vontade de chorar. Não queria perder Zylia. Não queria que ela tivesse o mesmo destino que meu irmão.

Tudo por causa daqueles desgramados.

Meu coração bateu forte, dolorido.

Então, estiquei as costas, tentando manter a pose que eu não tinha capacidade de fazer. Como Zylia conseguia?

— Partiremos amanhã bem cedo. Vamos procurar uma forma de descer até os Desertos quando chegarmos à praia. Busquem alimentos hoje e água fresca. Tomem um banho e vistam roupas quentes da forma que puderem. Os faunos devem ter deixado coisas o bastante para nos aquecermos.

Aaden abriu um sorriso de onde estava.

— Até o fim, Gaëlle. Todos nós.

— Até o fim — sorri de volta. — E que o Imperador esteja conosco.

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora