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Zayin saiu em disparada antes mesmo de eu entender o que Tinny dissera.

Minha amiga agarrou minha mão, sem esperar por nenhuma reação e corremos em direção à caverna.

Meus tornozelos foram quase amarrados pela névoa que, de repente, enroscou-se em nós. Prateado, quase azul, aquela névoa emanava de Zylia que observava assustada todos nós.

Com as mãos na frente do corpo, suas mechas oscilavam, brilhando com um prata forte e reluzente.

Estava disposta e em pé. Mas ainda tinha alguma coisa errada.

Aaden deu um passo a frente, com as mãos levantadas, mostrando a ela que não havia nada. A tenente, em resposta, deu um passo para trás, evitando encolher os ombros.

— Zylia...

— Me responde!

— Por favor, acalme-se. Nós vamos...

— Quem são essas pessoas? Para onde é que você me trouxe, Aaden Portos?

Meus ombros vacilaram.

Abaixei a espada.

Não podia ser. Não era...

Meus olhos ergueram-se para Zayin. Ele fez que não com a cabeça, sutil.

Ela não se lembrava. De nós.

Não se lembrava de mim.

Mal reparei que a máscara estava de volta no rosto do soldado quando ele esticou as costas.

— Zylia...

— Pare. Eu não quero desculpas, eu quero respostas simples e diretas

Havia lágrimas nos olhos dela. A tenente evitava demonstrar, mas havia lágrimas.

— Atenção a todos — ordenou Zayin. — Saiam e esperem lá fora até nosso próximo comando. — Ele virou-se para mim. — Alerta amarelo.

Urgência.

Todos saímos da caverna. Os gêmeos estavam tão assustados que se abraçaram do lado de fora; Barrie deitou no ombro de Ercan, que a manteve por perto, tentando acalmá-la, mas igualmente apavorado.

Tive que praticamente arrastar Ayaz, porém ele veio, com um olhar tão quebrado quanto vidro estilhaçado. Zylia estava começando a ser mais flexível com ele. Agora, aparentemente, o odiava ainda mais.

Sob a luz da lua, eu me encolhi ali, na porta da caverna, aos prantos. Não aguentei e chorei baixinho até Tinny aproximar-se e me abraçar, demonstrando apoio.

Meu coração estava aflito. Será que Zylia também não se lembrava mais de Hale? Do Hale do acampamento, que a encantou uma segunda vez? Do Hale que dançava com ela quase todas as noites e a fez mais que feliz por alguns meses?

Tinny esfregou meus braços.

— Vai ficar tudo bem.

— Todo mundo sempre diz que vai ficar bem! — Me estressei. — É sempre a mesma coisa. Cadê o bem que dizem? Por que isso acontece?

Eu me levantei.

Tinny também o fez, encarando-me.

— Acho que você precisa parar de procurar só o porquê das coisas, Gaëlle. Tragédias acontecem. São inevitáveis. Quer felicidade? Desprenda-se dessa vida.

Lágrimas involuntárias escorreram pelo meu rosto.

— Dói.

— É, e vai continuar a doer enquanto você não aprender. É nessas horas que você precisa olhar para Yüksek. Não quando acabar, para depois ficar se lamentando porque não fez direito. Pare de colocar sua confiança em si mesma e confie um pouco mais em Papai.

Enxuguei o nariz.

— Mas e se algo pior acontecer com Zylia?

Os ombros de Tinny vacilaram.

— Eu tenho certeza de ela também está aprendendo com isso. Não é só sobre você.

Me perguntava o que ela aprendia.

Tinny afastou-se, sentando-se ao lado de Ayaz. Zahara ergueu os olhos. De braços parcialmente cruzados, a Dyriug bagunçou o cabelo de Ercan antes de voltar-se para mim.

— Sua amiga está certa.

— As vezes queria que não estivesse — resmunguei.

Zahara comprimiu os lábios. Seu cabelo parecia prata sob a luz da lua.

— Sabe, eu apanhei muito antes de vir para cá. Fui perdendo tudo, pouco a pouco. Sempre me fiz essa mesma pergunta: Por quê?

Ela fungou, sustentando um sorriso fraco.

— O sofrimento existe, Gaëlle, independente do Imperador. Não pode querer justificativa de tudo o que acontece. Coisas ruins acontecem e sempre vão acontecer. Isso soa diferente para cada um e gera uma história diferente.

A Dyriug se aproximou.

— Porém, Yüksek nunca permite que algo aconteça que não possamos suportar. Ao invés de encarar dessa forma, encare com bravura. Seja destemida. Entenda que não é sobre olhar para dor e sim para Ele. É isso que Ele quer. Lembre-se que Yüksek é bom e misericordioso.

Fiquei em silêncio.

Ela estava certa. Caramba, como Zahara estava certa.

Eu engoli em seco.

— Me desculpe.

Ela fez uma careta de desdém.

— Não se preocupe. Somos todos assim. Acha que sei lidar com minhas coisas? — A Dyriug riu, caçoando. — Sou tão ruim nisso quanto você. Mas aos poucos pegamos prática.

Zahara deu de ombros, observando o morro da caverna.

Aaden e Zayin ainda não tinham voltado.

Abri e fechei as mãos, sentindo uma sensação espremer uma garganta e torcer meu estômago.

— Todas as vezes que algo ruim acontece, eu sinto vontade de culpá-lo.

— Talvez você só precise de mais intimidade para conhecê-lo melhor.

A Dyriug acariciou as costas de Barrie quando esta se aproximou, agarrando as pernas dela.

— Tem algumas citações dos livros antigos que te instruem a ter um momento sozinha com Ele. Chamamos de Secreto. É muito bom para ter intimidade. Ele ouve até mesmo aquilo que você não fala. — Deu de ombros. — Na verdade, isso é a todo tempo, mas o Secreto é importante. É um momento apenas seu e dEle.

— Já tive momentos a sós com o Imperador.

— Gaëlle. — A voz de Zahara era suave. — Tem que ser todos os dias. Não dá para ter intimidade com alguém que você conversa de vez em quando.

Houve silêncio.

Odiava a sensação de estar errada. Significava que eu tinha falhado em uma das poucas coisas que eu era boa.

Mas Zahara, novamente, estava certa.

— Sabe, eu perdi minha família muito cedo. Foi tão devastador para mim na época, que culpei o Imperador e disse a Ele que era o pior ser que eu conhecia. — Ela então, ergueu os olhos para mim. — Mas Yüksek não deixou de me amar. E foi em meio a dor que Ele me resgatou.

Zahara segurou meu ombro.

— Vai para o Secreto. Papai está esperando por você.

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora