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Eu chorei durante a noite toda. Havia algum tempo, na verdade.

Quando algumas palavras e memórias do meu pai iam e vinham, como em um balanço maçante, eu me encolhia na cama, sentindo frio e dor.

Todos os dias, mantinha-me firme. Não queria que os meus amigos se preocupassem com essa parte. Apesar de que, todos os dias, eu esfregava as mãos e elevava meus olhos aos céus pela janela do quarto. Estava grata porque ao menos tinha saído de Ayllier.

Só me perguntava porque meu pai me odiava tanto. Nunca teria sido uma filha tão ruim caso ele não me tratasse como bicho ou me desprezasse tanto.

"Você não é minha filha porque é apenas parte de um experimento científico que deu impressionantemente certo." Isso me fez chorar. Muito. Em Ayllier, tivera minhas lágrimas derramadas, mas nada como naquela noite, quando, sem querer, as lembranças começaram a voltar.

Não sabia o que ele queria dizer com experimento científico. Ele me planejou? Planejou tudo aquilo? Forçou minha mãe a ter dois bebês?

Não sabia. A única coisa que fiz foi desabafar com o travesseiro. Chorar até morrer de dor de cabeça e levantar para tomar algum remédio que encontrasse.

Foi o que eu fiz, no dia quatorze do mês de Pontunie do calendário arthoriano.

Não sei porque esse dia me marcou tanto.

Só me lembro de ter chego às escadas, ameaçando a descê-las quando ouvi uma conversa, baixinha. Então, travei, apurando os ouvidos.

— O que acha que devemos fazer? — Era Aaden. Sussurrava para alguém, mas não vi quem.

Me abaixei, sentando-me no topo da escada, deixando os pés espaçados e prontos para sumir andar acima se precisasse.

— Eu não sei. Acho que nunca estive em uma situação tão precária.

Renoward. A segunda voz era de Renoward.

— Nem me fale. Nem mesmo as situações com minha mãe eram tão intensas.

— E como ela está?

Aaden permaneceu em silêncio. Portos quase nunca mencionara a mãe dele. Sabia que ele tinha um relacionamento ruim com ela, mas esse soldado era uma das pessoas que não costumavam falar tanto sobre a família.

— Bem, eu imagino. Dizem que os remédios estão fazendo efeito. Só não sei se acredito.

— Ela ainda não deu indícios de melhoras pelo tratamento?

— Não. Conhecendo-a, é capaz que ela esteja jogando os comprimidos fora antes de tomar.

— Não pensa em visitá-la?

— Fui algumas vezes no ano passado, mas todas ocorreram da mesma forma e tocamos no mesmo terrível assunto.

Imaginei Renoward esfregando a testa. Houve um suspiro alto, mas esse foi de Aaden. A respiração do príncipe de Sulman nunca tinha som.

Alguém colocou um copo sobre a mesa. Imaginei ser Aaden.

— Você tem recebido alguma outra informação dela? — Renoward perguntou.

— Nenhuma. Só espero que meus irmãos não vão visitá-la.

— Hm. Se forem, então é bom ficarmos alertas.

— Como se me avisassem de alguma coisa de útil — resmungou com um suspiro fundo. — Ela vai manipulá-los.

— Acha que ela colocaria você como vilão?

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora