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Quando o corpo de Harvey caiu sobre o chão, a névoa se dissipou. Meus joelhos cederam com um grito de dor. A lâmina fez um barulho alto quando caiu e minhas mãos tremiam. As lágrimas desceram quentes sobre meu rosto quando toquei os tornozelos.

Estavam inchados. Minha cabeça zumbia. Havia uma mistura entre roxo e amarelo; ou uma grande mancha preta.

Eu não conseguiria correr até o grupo. Muito menos andar. Tudo latejava e pulsava, e corroía meus ossos.

Agora, ao menos, eu sabia quem Harvey era.

Toquei a espada, cortando uma parte torta do vestido. A enrosquei diversas vezes na minha mão, fazendo uma luva improvisada e usei a ponta dela como apoio, com o cabo voltado para o chão. A ponta do guarda-mão era achatada, então não escorregaria naquele chão lustroso.

Teria de aguentar ao menos um pouco de dor.

Ao me levantar, a dor me levou ao chão. As lágrimas desceram. Não havia mais ninguém naquele palácio que pudesse me ajudar.

Então reunindo forças, pedi ao Imperador que me guiasse para fora. Que, se possível, eu conseguisse alcançá-los. Não me apoiei na espada; arrastei-me sobre o chão. A dor dilacerou meus nervos, corroeu meu cérebro.

Engoli em seco. Com muito esforço, dei a primeira braçada. Mais lágrimas, suor e gosto de sangue.

Dei mais uma. Nessa velocidade jamais os alcançaria. Então eu fechei os olhos e apenas continuei. Um passo atrás do outro, um desejo atrás do outro de apenas me deitar.

Então, ouvi uma voz distante.

— Gaëlle!

Não sabia quem era. Não quis virar para trás.

Quando cheguei nas escadas, desci sentada, apoiando todo o peso do corpo nos braços para descer.

E ao chegar na ponta, não queria me levantar. Queria encostar a cabeça no mármore, deixar os braços gelarem e contar os batimentos cardíacos até desmaiar.

Mesmo assim, teimosa contra minha vontade, segurei firme na espada e mais uma vez, com os braços, dei passos curtos e devagar, até a porta da frente. Não tinha parado para reparar no caos que o salão de bailes virou. As folhas e a terra entraram por todo lado. Havia musgos crescendo por toda parte e o palácio, que antes era todo colorido, parecia cinza e sem graça.

Havia sangue espalhado pelo chão e as pessoas não estavam mais lá. Esperava que tivessem fugido. Havia vidro quebrado.

E chuva caia do lado de fora. Fazia ventar e era gelada, fazendo meu corpo tremer e os cotovelos quase não serem mais capazes de sustentar.

Foi tudo uma mentira. Harvey não havia apenas manipulado as pessoas, ele havia feito com que acreditássemos que o tempo tinha passado. Não passou. Não tínhamos ficado nem cinco horas dentro daquela corte. Talvez um pouco mais de tempo e começaríamos a alucinar.

Ele queria nos prender em uma vida de ilusões.

Minhas mãos enterraram-se na lama quando meus cotovelos cederam. O cabelo, a roupa e as bolsas molharam, mas eu fechei a mão firme em Vanella.

Quando meus braços não aguentaram mais, eu me encolhi e deixei que as lágrimas rolassem. Deixei chorar tudo o que estava entalado. Senti a lama quase engolir minhas pernas.

— Me perdoe — disse à Yüksek. — Eu ten- tentei fazer o que m-me pediu. Mas acho que não p-posso.

Parecia tão engraçado. Depois de tudo o que passei, morreria de hipotermia, debaixo da chuva, por causa de tornozelos quebrados.

Meu corpo tremia com força. A água era tão gelada quanto a neve.

— S-se eu for encontrá-lo agora, posso ter uma manta quentinha e Profiteroles? A-acho que vai ser bom pra... matar minha fome.

Então, minha audição foi embora. O som da chuva e dos ventos tornou-se apenas em sensação. Se havia alguém perto de mim, eu não saberia. A dor do estômago faminto não existia mais. Apenas o pulsar lento do coração.

Com pouca força, puxei a grama, como se ela pudesse me arrastar pela floresta. Então, forcei os dedos contra a terra e arrastei meu corpo. Acho que uma pedra fez um corte fino sobre a cicatriz recente em minha barriga.

Mãos me seguraram. Eu quis gritar pelo desespero. Seria possível Harvey estar vivo?

Mas eu conhecia aquele toque. Não era qualquer toque.

Quando fui levantada da grama, chorei ainda mais. Pelo alívio, pela dor.

Renoward me aninhou nos braços dele. A respiração dele estava acelerada. Não era medo. Era raiva. Talvez ódio. Acho que o rosto dele estava sujo de sangue.

— Dói, Renoward.

— Eu sei, meu amor. Vou levá-la de volta para casa.

Arthora | A Ascensão dos Sete ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora