Capítulo 26

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Clara chegou no consultório um pouco mais cedo do que o costume. Não sabia o motivo, mas Emerald estava muito calada. Respeitando o silêncio da amiga, não puxou conversa.
Chegou no consultório e Painting já estava trabalhando; ele era sempre o primeiro a chegar.
— Bom dia, Painting.
— Bom dia, Clara. - ele a olhou por um longo tempo. - aquele seria o dia que cuidariam dos animais domésticos. — Bom dia, Emerald. - Deixei as vacinas preparadas.
— Obrigada.
Ela organizou alguns papeis e saíram para o curral. Nuvens pesadas cobriam a colônia. E, de fato, quando chegaram no curral a chuva desabou. Clara e Painting riram muito, mas Emerald reclamou por causa do cabelo, e se escondeu debaixo do telheiro.
Painting parou de rir e lhe deu um olhar estranho.
— O que foi? - perguntou, estranhando a mudança de comportamento.
Ele olhou para seu ombro e ela seguiu seu olhar. A camisa molhada deixava ver o curativo no ombro. Painting deu um passo para ela; seus lábios repuxaram e viu suas presas. Com o cabelo molhado evidenciando as feições marcadas, ele parecia feroz.
Clara abriu a boca, surpresa. Ficou muito quieta vendo a transformação no amigo. Ele respirava com dificuldades e suas mãos estavam fechadas em punho.
— Preciso ir. - ele disse e disparou em direção à floresta.
Emerald chegou ao lado dela, as sobrancelhas erguidas.
— O que aconteceu?
— Eu... não sei.
— Você disse alguma coisa?
— Não.
A mulher olhou para o seu ombro.
— Ah, entendi. - Clara piscou, transtornada. — Painting é muito meu amigo. Lutou com um guarda que tentou me estuprar na cela dele.
— Que horror!
— Ele estava acorrentado, mas quebrou as correntes e matou o guarda. Foi terrivelmente espancado por causa disso. Nunca esqueci.
— Eu não tive a intenção de magoá-lo.
— Vocês nunca têm.
— Como?
— Eu vi machos tão fortes quanto Painting se submeterem à humanas. 
— Não conheço esses machos. Não posso dizer nada sobre eles.
— Conheceu Fiber. Aruana o maltratou muito.
— Eu não estou fazendo isso com Painting!
— Ele quer você. Por que ficou com o Cedar?
Clara não tinha a obrigação de responder, mas o fez pela amizade entre as duas.
— Eu gosto do Cedar.
— Você o escolheu para tirar sua virgindade, mas  não era para ficar com ele.
— Emerald, este assunto é muito particular.
— Painting é o melhor para uma humana.
Clara se irritou.
— E Cedar não?
— Cedar nunca gostou de humanos. Todos nós estamos surpresos por ter te escolhido.
— Você tem algo contra isso?
A chuva aumentou e Emerald se encolheu.
— Não gosto de chuva. É melhor voltar para a casa do Cedar.
— Preciso fazer a vacinação.
— Pode fazer amanhã.
— Farei com o gado bovino, então. Precisarei da ajuda de Painting para vacinar os suínos.
Emerald correu de volta para o telheiro e Clara, abalada, começou a vacinação das vacas. Não eram muitas e terminou em menos de vinte minutos.
A chuva, que caía torrencialmente, parou de repente.
Emerald ajudou Clara a carregar o equipamento de volta à clínica.
Chegaram na clínica com um sol resplandecente.
— Vamos trocar essas roupas. - disse Emerald
— Preciso cuidar dos animais.
— Pode fazer isso ma volta.
— Não quero deixá-los com fome.
— Sou felina. Não gosto de ficar molhada.
— Pode ir.
— Não posso te deixar sozinha.
— Eu ficarei na clínica. Estou segura. Pode ir.
Emerald pensou um instante, mas assentiu com a cabeça.
— Você não pode ficar molhada. Pegarei roupas.
— Cedar não está em casa.
— Não confia em mim para entrar na casa dele? Espécies não roubam. - falou com o rosto sério.
— Não é isso. Não sei o que o Cedar irá pensar.
— Já entrei na casa dele. Não seria a primeira vez.
— Entrou?
Emerald a olhou intensamente.
— Cedar não compartilhava sexo no dormitório feminino.
O queixo de Clara caiu. Entendera direito? Cedar com Emerald ainda?
— Você pode trocar de roupa. Eu me viro por aqui.
A mulher deu de ombros.
— Se você quer assim...
Ela saiu e deixou Clara com seus pensamentos. Cedar lhe explicara por que as mulheres Novas Espécies não queriam compromisso. Ela até se solidarizara com elas, mas agora imaginava com quantas das mulheres que conhecia Cedar já fizera sexo. Com Emerald ela tinha certeza que não fora apenas na primeira vez dela.
Trocou sua camisa pelo jaleco e foi alimentar os animais que estavam engaiolados. Pelo menos ali não ficava sujeita ao ar-condicionado.
Quando Emerald voltou se esforçou para tratá-la do mesmo jeito de antes. Emerald mudou de assunto passando a perguntar sobre o modo de se divertir dos humanos.
Cedar ligou e avisou que não conseguiria almoçar com ela na hora do almoço. Clara foi em casa e trocou de roupas.
No Clube fez seu prato e foi sentar-se com as mães, porém Felipe a chamou. Ela e Emerald sentaram-se com ele e mais dois rapazes que trabalhavam na colônia, mas moravam em Santa Rosa. Felipe queria saber da vacinação. Se envolveram numa conversa animada e os dois rapazes tentavam impressionar Emerald. Pela primeira vez naquele dia ela viu a mulher sorrir.

Cedar conversava com Judice sobre seu acasalamento.
— Eu deveria dizer que estou surpreso com isso, mas já acostumei com a notícia.
— Não está chocado?
Cedar, eu só demorei a me acasalar, porque fui orgulhoso demais. Por mim eu teria acasalado com Jessie na primeira semana.
— Eu ainda estou impressionado, mas tenho certeza do que quero.
—  Eu lamento por não poder se acasalar agora. Sua mulher quer se casar, não é?
— Ela tem família. Parece que eles levam o casamento muito à sério.
— O casamento humano pode ser feito em um mês. Eu posso pedir a algum dos Conselheiros para a assinatura do acasalamento.
— Eu já me considero acasalado, mas seguirei os ritos por Clara.
Se ela vai ficar feliz, faça isso.
— Está bem, Justice.
Ainda conversaram sobre alguns assuntos da colônia e depois encerraram a ligação.
Cedar olhou no relógio e viu que o horário de Clara na clínica chegara ao fim. Fitou  seu notebook e o monte de procedimentos que deveria realizar ainda naquele dia. Trabalhou mais uma hora e ligou para ela.
— Oi.
— Oi, minha fadinha.
Ainda está muito ocupado?
—  Bastante, mas tentarei jantar com você.
Hum...
O que foi?
Nada. É que você começa a trabalhar às cinco da manhã e só para às nove da noite. Às vezes.
Acha que estou te dando pouca atenção?
Não, claro que não. Só me preocupo com seu cansaço.
Cedar riu gostosamente.
Meu amor, a última vez que me cansei foi em Mercille, porque me injetaram remédios que me deixaram doentes. - ela não respondeu e o silêncio se prolongou.— Clara?
Ela fez um barulhinho com a boca.
Gostei de me chamar de amor. — Foi a vez dele ficar sem palavras. Sabia como os humanos valorizavam o amor. Ela estaria esperando que ele dissesse que a amava? Antes de falar ela continuou. — Não precisa se apressar. Só não deixe de jantar antes de ir para casa.
— Pode deixar.
Ela deu um beijo pelo telefone e desligou.
Como sempre acontecia quando falava com ela, Cedar ficou um momento apenas aproveitando aquele sentimento.
Trabalhou até quase nove horas da noite e depois foi para o Clube jantar. Era  um dos últimos a jantar e agradecia sempre  à equipe da cozinha por esperar por ele. Naquela noite só queria comer algo rápido e voltar para casa.
Entrou no Clube no momento que Painting saía. O macho o olhou com seriedade e Cedar parou.
— Está tudo bem, Painting?
— Eu é que pergunto.
— Não entendi.
— Você acasalou com Clara?
— Não é da sua conts, mas sim.
Painting franziu duramente as sobrancelhas.
— Espero que tenha boas intenções.
— Do que você fala?
— Clara é humana e frágil. Não foi criada para a paixão de um espécie.
— De qual espécie está falando? Porque parece dizer que ela não está preparada para mim.
— Não a machuque.
Cedar deu um passo e ficou nariz à nariz com o macho.
— Acredito que está se metendo demais nos meus assuntos. - falou, sem esconder a irritação. — Clara é minha e eu devo me preocupar com ela.
— Pode tê-la mordido, mas Clara é uma mulher livre.
— Quero que se afaste dela.
— Se ela me pedir, eu o farei. Se.
Cedar botou a mão no peito de Painting.
— Sempre fomos amigos e não quero brigar, porém não te quero perto da minha fêmea.
— Ela não é um animalzinho para você controlar. Clara é uma mulher independente e...
Cedar agarrou a camisa do macho e o puxou.
— Fique. Longe. Dela. Ela é minha.
Cedar largou a camisa e Painting a ajeitou.
— Só estou preocupado com Clara..
— Não é seu direito fazer isso. Esqueça dela.
Painting lhe deu um olhar tão magoado que Cedar quase sentiu pena.
— Faça-a feliz. - pediu e se afastou.
Cedar o acompanhou com os olhos. Se o macho não fosse tão seu amigo, estralhaçaria sua garganta para nunca mais pronunciar o nome da sua mulher.
Desistiu de jantar e foi para casa. Diria à Clara para dispensar Painting do trabalho. Ela obedeceria e tudo ficaria bem.

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