Sentado num galho de uma árvore robusta, Lion segurava a cabeça, movendo-a devagar de um lado para o outro. Apesar dos sons calmantes do crepúsculo, seus pensamentos se chocavam e o coração batia aceleradamente. Homeland III deveria ser um paraíso, um lugar de refúgio.
Segurava o peito, pois um pouco antes sentira que iria morrer. Viera para aquele lado da Reserva, porque não queria que Gale e Risen vissem seu descontrole.
Imagens, sons e odores de Mercille o assaltavam provocando um medo irracional. Lágrimas de derramavam por seu rosto, a infelicidade transtornando as suas emoções. Balançou-se para a frente e para trás, esgotado.
Um som diferente chegou aos seus ouvidos. Fungou, desejando que não fossem seus amigos. Eles sempre tentavam ajudá-lo, mas ele preferia ficar sozinho.
Se concentrou para ouvir melhor. Eram passos, mas não os velozes de Risen ou os saltos de Gale. Também não soava como de nenhum animal. Limpou as lágrimas e olhou na direção de onde vinham os passos; enxergando através das sombras, percebeu que eram pessoas. Um caminhar era firme, porém o outro era leve e curto. Seriam humanos da tribo Janerawa? Eles não costumavam se aproximar da Reserva.
Curioso, saltou de árvore em árvore se aproximando silenciosamente dos caminhantes.
O cheiro chegou junto com o reconhecimento. Um espécie e um humano. O que estariam fazendo ali? O instinto o impediu de se apresentar.
Viu que o espécie cheirou o ar e estacou; o macho já sabia que havia outro espécie por perto. Tentou identificar o espécie, mas não o conhecia. A surpresa veio quando observou o humano. Era uma fêmea, uma fêmea pequena e magra. A mulher de Cedar.
O espécie desconhecido soltou a mão da fêmea e a colocou atrás dele.
Lion não queria falar com ninguém, contudo achou a atitude do espécie estranha. Desceu da árvore devagar, mas seu corpo assumiu uma postura de defesa.
— Olá. - disse o espécie.
Ele sorriu, porém Lion percebeu que o sorriso não chegou aos olhos. Tentou ver a fêmea, entretanto o corpo grande à sua frente a cobria completamente.
— O que faz aqui?
— Estou de passagem.
— Pela Zona Selvagem? - sem conseguir controlar, a cauda de Lion batia de um lado para o outro nas suas pernas. — Não conheço você.
— Sou Painting. Vim de Homeland com Cedar.
— Por que veio por aqui?
O macho pareceu ficar tenso.
— Decidi atravessar a floresta.
— Com a humana?
— É minha companheira.
— Não sou! - a voz fina soou por trás de Painting e ele viu que a dona tentou sair detrás do macho.
Virando-se para trás, Painting a segurou, enquanto a mulher tentava escapar. Lion franziu as sobrancelhas.
— Esta é a companheira do Cedar.
Painting continha a humana, que se debatia.
Lion rosnou. Se aquela era mulher de Cedar, por que estaria com outro macho tão longe da vila?
— O que está fazendo, macho? - perguntou, mostrando as presas. Andou, se aproximando.
— Pare! - Painting abraçou a mulher, que se debatia. — Não se meta!
Lion não parou. Deu um salto e agarrou os braços do macho, puxou-os com força e a fêmea escapuliu. Painting rosnou e tentou se livrar, mas Lion lançou-o longe.
A fêmea correu na direção de onde viera. O macho balançou a cabeça, parecendo tonto. Lion pulou sobre ele.
— Esta fêmea não é sua.
— Minha! - o macho rolou, empurrou Lion e puxou algo da mochila. Lion se ergueu e saltaria de novo sobre ele quando viu o que foi tirado. Estacou e arregalou os olhos. Era uma arma humana. — Recue! Eu sei usar isso!
Lion sentiu um dedo gelado subir pela sua coluna. Automaticamente, colocou a mão sobre o peito esquerdo; havia duas cicatrizes ali, como círculos deformados. A lembrança do que uma arma humana lhe fizera cruzou a sua mente. A floresta ao seu redor desapareceu e logo estava no chão da cela, o peito extremamente dolorido e se esvaindo em sangue. Agulhas estavam espetadas em seus braços e suas veias começaram a arder. Seu corpo convulsionava e queimava. Sentiu o cheiro da sua urina e fezes e seus olhos estavam nublados pelas lágrimas que escorriam pelos cantos dos olhos.
Lion começou a hiperventilar e esfregou os braços com força como se pudesse arrancar as agulhas que atravessaram o tempo em sua mente. Caiu de joelhos, sem conseguir respirar.
Suor frio cobriu o seu corpo. Lembrou-se de como as balas foram arrancadas do seu peito por um instrumento que só aumentara a dor. Não sabia quanto tempo ficara naquele chão, mas quando se tornou consciente estava sujo, dolorido e sentindo-se mais uma vez inferiorizado.
Ficou de quatro, tentando inspirar o ar que lhe faltava.
— Clara!
Aquela voz não era do passado. Parecia com a voz de um espécie, porém nenhum dos seus irmãos lhe apontaria uma arma.
Passos apressados se afastaram dele. Forçou sua mente a se acalmar, precisava se acalmar.
Um grito feminino terminou de arrancá-lo daquele sonho acordado. Ergueu a cabeça e piscou, procurando enxergar. Viu o macho agarrar a companheira de Cedar, enquanto ela se contorcia tentando se livrar.
— Me solte!
— Pare! Você vai machucar o seu bebê!
Lion se forçou a levantar, as pernas bambas.
— Pare, Clara, por favor!
— Me deixe ir, Painting!
O macho espécie tentava acalmar a pequena fêmea e não percebeu que ele se aproximava.
— Você vai se machucar, Clara!
— Você está me machucando!
A fêmea viu Lion e abriu a boca. O macho olhou por cima do ombro e depois segurou a mulher com uma mão e apontou a arma para ele.
— Recue!
— Deixe a fêmea.
— Pare agora!
Mesmo com as pernas bambas e o coração acelerado, Lion não parou. Ele nunca ouvira falar de um macho maltratando uma fêmea, fosse espécie ou humana, pelo contrário, havia Valiant e sua Tammy, conhecera a doutora Trisha antes da união com Slade e vira o cuidado de Shadow com a fêmea-presente. Não permitiria que aquele Painting maltratasse a companheira de Cedar. Deu um salto para alcançar o macho.
Um segundo depois, reconheceu o barulho que tanto temia e uma dor quente rasgou o seu ombro. Ouviu o grito desesperado da fêmea. O impacto da bala o lançou para trás e caiu de costas. Perdeu o fôlego, mais pelo espanto do que pela dor lancinante.
Aconteceu outra vez. Estava novamente no chão, se esvaindo em sangue, porém dessa vez não fora um técnico que o ferira, foi um irmão. Levou a mão ao ombro e sentiu o sangue quente.
No alto, através das copas das árvores, viu o céu muito azul. Gemendo, forçou-se a levantar. Seu ombro explodiu de dor, mas conseguiu sentar.
A fêmea chorava alto e Painting pedia que se acalmasse. Lion sentiu o sangue escorrer e, dessa vez, não haveria as drogas de Mercille para contê-lo.
O macho fez com que a fêmea se sentasse no chão e se voltou para ele. Lion imaginou que atiraria novamente.Painting olhava para o macho selvagem com pavor. Havia baleado um espécie. Não era como apagar Cedar com um dardo tranquilizante; seu ato poderia matar aquele macho.
Ele tentava se levantar, mas a cada movimento o sangue corria mais livremente.
— Não se levante. - ordenou.
— Deixe a fêmea.
Aproximando-se com cautela, Painting observou o macho. Sabia que havia um grupo de espécies selvagens na Zona Selvagem da colônia, contudo nunca entrara em contato com um. Na Reserva conhecera Leo e achou o macho parecido com ele. Sua cauda jazia sem movimento ao seu lado.
— Eu vou me aproximar. Não reaja.
O espécie silvou, mostrando suas presas e tentou se levantar.
— Recue e deixe a mulher.
Painting se virou e Clara estava muito próxima.
— Painting, você... Meu Deus!
— Fique longe, Clara.
Ela ergueu as mãos e passou por ele, que a conteve.
— Não.
— Preciso estancar o sangue.
— Precisamos ir.
— Você quer deixá-lo sangrar até morrer? - Painting negou com a cabeça. — Então me deixe...
Ela manteve os braços levantados e se aproximou do espécie.
— Posso me aproximar?
— Fuja.
Clara agarrou a bainha do vestido e a rasgou. Ajoelhou-se de frente para o espécie.
— Você é o Lion, não é?
— Sou.
— Vou pressionar a ferida, tudo bem?
— Sim.
Painting a assistiu segurar por trás do ombro do espécie e pressionar o local da ferida. Ele rosnou, mas permitiu que ela trabalhasse nele. Clara olhou por trás do ombro dele e soltou uma expressão de espanto.
— Painting! Tire a sua blusa e pressione a ferida por trás.
Painting tirou a camisa, contornou o macho e observou a saída da bala. O estrago estava bem feio. E ele o provocara.
Pressionou a ferida com força e o macho rugiu.
— Lion... Lion, como se sente? - perguntou Clara.
— Frio.
Painting observou o tom da pele do felino se tornar cinzento. Sentiu o peso de Lion sobre seus braços e logo em seguida o corpo dele amoleceu.
— Lion! - Clara chamou enquanto o macho caía para trás.
Painting aparou o peso e olhou para os olhos assustados da fêmea que amava. Sentiu naquele instante que sua loucura fora longe demais...
VOCÊ ESTÁ LENDO
CEDAR: Uma história Novas Espécies 5
Science FictionCedar é um dos Novas Espécies, seres humanos criados em laboratórios da indústria farmacêutica Mercille. As Novas Espécies tiveram seu DNA alterado com DNA de alguns animais. Cedar é membro do Conselho das Novas Espécies e atualmente cumpre seu trab...