Capítulo 46

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Confidence levara Clara para casa mais cedo. Depois de um banho ela se deitara pensando em tudo que Painting dissera. Ele fora cruel, mas verdadeiro.
Doía pensar que não era tão importante para Cedar. Como fora se apaixonar por um homem tão insensível? Pediu perdão ao filho e dormiu sem tomar o café da tarde.
Acordou com o barulho do telefone. Pegou o aparelho e olhou para a tela. Era Painting. Não queria falar com o amigo. Queria era esquecer os últimos meses.
Levantou-se e vestiu um short e uma blusa larga. Olhou-se no espelho. Não tinha mais como esconder a gravidez. Tocou na barriga e, pela milésima vez, se maravilhou por estar grávida.
Uma batida na porta a tirou de sua contemplação. Verity viera chamá-la para jantar.
No Clube, a rotina de sentir muitos olhos a observando se repetiu. Ninguém a abordava para perguntar sobre seu rompimento, mas sabia através de Estela que a comunidade da colônia se agitara bastante.
Os humanos mal se recuperaram de entender sua ligação com o líder de Homeland III e agora não entendiam o rompimento. As Novas Espécies estavam chocadas com um par acasalado se separar. Confidence contara que havia muitas teorias entre seu povo, a mais comentada era que Cedar a assustara de alguma maneira. A mais vil era que ela desistira dele por Painting.
Sentiu-se com seu grupo de sempre e se forçou a comer. Ficou em silêncio e suas amigas a imitaram.
Voltou para o dormitório sentindo se afogar de tristeza. Não via Cedar há duas semanas; ele cumpria fielmente sua vontade de que não se aproximasse dela. Deveria estar satisfeita, contudo tudo o que sentia era saudade dos meses que passaram juntos. Dormiu um sonho agitado e triste.
Enquanto se preparava de manhã decidiu comprar roupas pela internet. Sentou-se no sofá e procurou sites com roupas para grávidas. Escolheu blusas e bermudas, macacões ajustáveis, calças compridas com cós elásticos e dois vestidos lindos. Deveria ser o bastante para as próximas doze semanas.
Quando encontrou Confidence no saguão a mulher mostrou compaixão.
— Você está bem?
— Não dormi direito, mas ficarei bem logo.
Confidence lhe deu um olhar estranho e estendeu  a mão com um pedaço de papel.
— O que é isso? - Clara perguntou, pegando o papel.
— Cedar passou aqui mais cedo e pediu para eu te entregar.
Abrindo o bilhete, ela leu com desconfiança.
         Por favor, atenda minhas ligações.
Eram palavras sucintas, mas sua mão tremia. Dobrou o papel e enfiou no bolso do short. Confidence a olhou com curiosidade, porém não fez perguntas.
No refeitório do Clube, Clara não prestou atenção nas gracinhas das crianças humanas e Novas Espécies. Todos os seus pensamentos estavam no homem que lhe enviara aquele bilhete.
No caminho para a clínica, Confidence a abordou.
— Painting a entristeceu ontem?
— Ele disse algumas verdades sim.
— Clara, Painting ainda espera ficar com você. Se este for o seu desejo, diga-lhe logo.
— O quê? Claro que não quero isso.
— Então o afaste de você. Não é seguro ficar entre dois machos.
— Não estou entre dois machos. - declarou, aborrecida. —E não posso afastar Painting do seu trabalho. Ele foi o meu melhor aluno, é ele quem poderá assumir a clínica na minha ausência.
Confidence insistiu.
— Cedar errou muito com você, mas ele é o seu macho. Você sabe disso. - parou e segurou o braço de Clara. - Ele podia ter matado Painting.
— Painting não tem culpa.
— Ele tem. Se tivesse desistido de você, Emerald não te acusaria de ter um caso com ele.
— Mas eu deixei claro para ele que amava o Cedar. - Clara fechou os olhos. Aquela situação estava consumindo sua mente. - Eu pensarei em algo.
Chegou na clínica e encontrou Painting já com a maleta para atender os animais da criação.
— Bom dia.
— Bom dia, Painting.
— Vou te esperar .
— Você pode ir com Clear?
Painting a olhou, alarmado.
— Está se sentindo mal?
— Não. Estou bem.
Ele enrugou a testa, olhou para Confidence.
— Podemos conversar à sós?
Clara sentiu que deveria ser firme com Painting.
— Eu e Confidence não temos segredos.
— Mas o que quero falar diz respeito apenas a nós.
— Não temos nada a conversar em particular, meu amigo.
Painting respirou fundo. Seus olhos, geralmente brilhantes, escureceram.
— Você pensou sobre o que eu disse ontem?
— Eu não tinha nada para pensar.
— Clara. - ele deu um passo à frente e Confidence fez o mesmo. Painting a encarou. - O que foi? Acha que vou atacá-la?
— Você a fez chorar ontem.
— Eu apenas disse a verdade.
— Ela não quer saber de você.
— Clara e eu temos assuntos inacabados.
— Você está abusando, macho.
Clara abriu os braços.
— Gente! Parem com isso!
Confidence e Painting falaram ao mesmo tempo.
— Deixe-a em paz, Painting!
— Quero falar com você, Clara.
Clara balançou a cabeça, cansada de todo os drama das últimas semanas.
— Confidence, pode esperar um pouco no escritório?
— Não acho que...
— Só um instante.
A mulher a encarou, olhou para Painting e de novo para ela.
— Certo.
Confidence saiu com o semblante muito sério. Clara entrelaçou as mãos na barriga.
— Ouça...
— Não, Painting. Ouça você. - respirou fundo. — Eu escutei tudo o que você disse ontem. Sei que não contou nenhuma mentira, mas não quero você se metendo em minha vida.
— Clara...
— Não, amigo, chega. Chega, por favor.
O rosto dele ficou feroz.
— Eu sou um macho melhor para você que Cedar.
— Isso não vem ao caso.
— Eu posso cuidar e proteger você e seu filho.
— Isaac tem pai.
— É Isaac o nome? Cedar o escolheu?
— Não importa.
Painting se moveu tão rápido que ela se desequilibrou e ele a abraçou.
— Eu me importo com tudo o que é sobre você .
— Painting, você é meu amigo, só meu amigo.
— Eu aceito isso. Só quero ficar com você.
— Não.
Ele a ignorou e a estreitou nos braços.
— Eu queria poder deixar de te amar, mas não consigo. Você é o motivo de eu me levantar todos os dias. É a minha vida agora.
O rosto de Painting estava a poucos centímetros do seu. Ele cheirava à floresta. Clara pensou que seria fácil, tão fácil de aceitar o seu amor... Ele se atraíra por ela desde o início, nunca escondera o seu amor.
Mas não era Cedar.
Seu telefone tocou e ela o empurrou gentilmente. Paiting a soltou, mostrando má vontade. Clara tirou o telefone do bolso e viu o rosto de Cedar na tela. Decidiu atender.
— Alô?
Obrigada por me atender.
Ela sentiu um arrepio por todo o seu corpo ao ouvir a voz dele.
Oi.
Clara, há tanto tempo não ouço a sua voz.
Ela pensava o mesmo.
O que você quer?
— Conversar.
— Estamos conversando.
— Preciso me encontrar com você.
— Acho que não.
Painting a observou.
— É o Cedar?
Clara virou de costas.
— Não quero conversar com você.
— Precisamos falar sobre nosso filho.
Meu filho! Você tinha dúvidas. Esqueceu?
Painting a virou e Clara balançou a cabeça em uma negativa; havia se esquecido dele,
— Sei que é meu filho. Eu nunca deveria ter duvidado da sua fidelidade.
— Não quero falar sobre isso.
— Então vamos falar sobre Isaac.
— Eu estou cuidando dele muito bem.
— Quero saber do seu desenvolvimento.
— Desligue o telefone. - Painting pediu.
Você está com alguém?
— Estou.
Quem?
— Não te interessa. - houve uma pausa na ligação e ela pensou que ele tinha desligado, Clara se desvencilhou de Painting.
— O que quer saber, Cedar?
Quero te acompanhar ao médico.
— Não será necessário.
— É necessário para mim.
Painting estendeu a mão para o aparelho e ela a empurrou.
— Espere um instante, Cedar. - ela cobriu o microfone do celular. — Pare, por favor.
— Não tem que falar com ele.
Eu decido isso. - declarou incisivamente e foi para o escritório. Não olhou para ver se seu amigo a seguia. — Você está preocupado com o bebê? Ele está bem,
— Estou interessado no meu filho.
— Como pode ter certeza que você é o pai?
Eu tenho.
Confidence se levantou e estendeu a mão num sinal de pare. Clara se voltou e viu Painting parado à porta.
— Cedar, podemos conversar outra hora?
— Posso ir até aí.
— Não quero atrapalhar o seu trabalho.
— Isaac é mais importante.
Clara engoliu em seco ao perceber que ele mostrava interesse apenas pelo bebê. Mas não era isso que queria?
Eu te ligo.
— Hoje, por favor.
Painting cruzou os braços e ela se decidiu.
— Te ligarei quando chegar em casa.
— Obrigado.
Clara encerrou a ligação e guardou o telefone no bolso. Encarou Painting.
— Nunca mais faça isso. - falou friamente.
— Você quer mesmo falar com ele?
— Isso é da minha conta. - respirou fundo. — Você já está sendo invasivo. Não gosto disso.
— Só quero o seu bem.
— Eu cuido de mim, Painting.
— Eu posso cuidar.
Clara perdeu a paciência. Ignorou que Confidence estava bem ao seu lado e declarou.
— Quero que pare. Se eu algum dia aceitei o seu amor foi por amizade. Agora eu só quero que pare com isso. Eu não te amo. Nunca amarei e não sei se essa amizade ainda me faz bem.- ele se calou, o rosto enrubescendo violentamente. Ela sentiu um aperto no coração ao ver a raiva e tristeza se revezando no rosto tão bonito. — Se isso continuar, um de nós terá que deixar a clínica.
Ele arregalou os olhos.
— Não está falando a sério.
— Estou.Entregarei minha demissão ao Cedar, se for preciso.
Painting respirou com dificuldade, apertando os punhos, olhando-a como se quisesse gritar com ela. Mordeu o lábio inferior, virou-se e saiu do escritório.
Clara se jogou numa cadeira e cobriu o rosto com as mãos, lamentando pela amizade que se perdia. Confidence colocou a mão no seu ombro.
Você fez o correto. Agora é hora de pensar em Cedar e no seu filho.
Procurando respirar com tranquilidade, Clara pensou que, pior do que ferir o seu amigo, voltar a falar com Cedar é que a enchia de medo. Medo de si mesma.

CEDAR: Uma história Novas Espécies 5Onde histórias criam vida. Descubra agora