Clara saiu do banheiro se sentindo estranha. Aquele fora o seu quarto por alguns meses. Seu coração apertou ao lembrar da paixão que vivenciara naquela cama, nas longas conversas depois de fazerem amor, nas brincadeiras que ela fazia por causa da seriedade de Cedar.
Aquilo tudo fora apagado por causa dos ciúmes que o enlouqueceram. Ela ainda o amava, amava muito, mas se sentia impedida de perdoá-lo.
Olhou para a cama com o lençol todo bagunçado. Como fora bom se entregar para ele. Queria simplesmente esquecer o que acontecera e ficar com o seu homem.
Pegou o sutiã estragado. Ainda bem que havia encomendado outros. Vestiu a calcinha e a blusa; seus seios estavam maiores e a blusa não os esconderia. Pensou que quem a vira passar no colo de Cedar e entrar na sua casa imaginara que eles reataram.
E se perceberem que estou sem sutiã...
Ninguém tinha nada a ver com a sua vida e sequer comentara com as colegas do dormitório porque voltara para lá. Mas não queria dar motivos para fofocas. Já havia comentários demais.
Suspirando, vestiu o macacão. Procurou pelo telefone celular e não o encontrou no bolso dianteiro. Imaginou que esquecera no Centro Médico.
Terminou de se vestir e saiu do quarto. O ar fresco do ar-condicionado a atingiu. Provavelmente Cedar voltaria, por isso ligara o ar-condicionado central.
Na sala, parou um instante vendo os pequenos detalhes que ela colocara espalhados pelo cômodo. Um vaso enorme com uma árvore da felicidade, o espelho que encontrara numa loja de móveis usados em Santa Rosa, um abajur de pé para fazer o seu cantinho da leitura e as cortinas verdes com desenhos de folhas. Eram marcas pequenas que havia deixado ali.
Respirou fundo, tão confusa como estivera na tarde que Cedar invadira a sala com o rosto feroz e o coração cheio de raiva.
Foi até a porta e virou a maçaneta; estava trancada. Foi até a estante procurando a chave que usavam quando queriam privacidade. A chave não estava lá.
Tentou abrir a porta novamente, porém estava realmente trancada. O que estava acontecendo? Precisava do seu celular para ligar para Cedar.
Olhou para as janelas. Não eram muito altas, talvez pudesse sair por uma delas.
Foi para a janela que dava para a varanda; estava trancada. Passou para a outra janela da varanda. Também estava trancada.
Franziu a testa. A residência só era trancada quando ela e Cedar estavam em casa. Ele dizia que, do jeito que o requesitavam sua presença, quando não atendesse o celular iriam direto para sua casa e entrariam, como era comum entre os espécies. Por que a porta e as janelas estariam trancadas, então?
Procurou o controle da casa; destrancaria tudo. Procurou em cada cantinho da sala e não encontrou; no quarto também não estava. Foi até o escritório de Cedar, olhou na estante, em todas as gavetas e nada. Uma ideia se formou em sua mente, mas não quis acreditar. Cedar a teria trancado de propósito?
De repente lembrou-se de uma história que Emerald contara sobre o marido de Estela. Ele a sequestrara e ela acabara se apaixonando por ele. Clara o conhecera e ele era inequivocamente louco pela companheira.
Cedar dizia que era louco por ela. Ele teria cometido a loucura de trancá-la? Não, não podia ser. Cedar era muito ponderado, ele não... Pálida, sentou-se no sofá. Ele não a acusara de trai-lo? Não tentara matar Painting?
Clara abaixou a cabeça nos joelhos, sentindo tontura. Ele não a trancara! Ele não a trancara!
Deitou-se em posição fetal, de olhos fechados. Cedar lhe dissera que as Novas Espécies possuíam um verniz civilizado para tranquilizar os humanos, porém seu lado animal era muito forte.
Pensou na pessoa de Cedar. Ela chegara a achá-lo frio e, algumas vezes, altivo, contudo ela ignorara sua natureza instintiva. Cedar era tão Nova Espécie quanto Vengeance.
Abriu os olhos e procurou pelo relógio. Já havia passado mais de uma hora. Respirou fundo e pensou em Isaac. Tivera pouco enjoo e seguia a risco o que a doutora Thainá recomendava. Levantou-se e foi para a cozinha, esperando que houvesse algo para comer. Abriu a geladeira e achou frutas, sucos e leite. Era o que sempre tinha na geladeira quando vivia ali. Cedar estaria esperando que ela voltasse? Optou pelo leite e mexeu no armário, achando seus biscoitos preferidos e teve certeza que Cedar esperava por ela. Ele teria planejado tudo?
De volta para a sala, sentou-se no sofá com as pernas encolhidas, mordendo o biscoito sem se importar com as migalhas. Cedar que as aspirasse depois!
Alimentada, deixou o copo e o restante do biscoito na pia da cozinha. Sua vontade era de deixar a casa toda revirada para ele arrumar! Cedar detestava bagunça.
Sentiu sono; sempre sentia depois de comer. O sofá era muito confortável, mas queria sua cama.
Ex-cama! - pensou, se forçando a lembrar que tudo ali era ex para ela.
Cedar deixar a cama bagunçada era um milagre, porém se ele pretendia prendê-la ali precisou sair logo.
Subiu na cama que Cedar mandara vir de Rio Branco; a dele era muito alta para ela. Deitou-se e se enrolou no lençol. Bocejou, sentindo muito sono. Fechou os olhos e se deixou levar.Cedar chegou em casa ao meio-dia. Pedira à cozinha do refeitório dois almoços, contudo ignorou o olhar atento do seu secretário. Avisara que voltaria apenas no final da tarde.
Tentou ouvir Clara através da porta fechada, mas sentiu apenas seu cheiro misturado ao do sabonete.
Abriu a porta silenciosamente e entrou, achando a sala vazia. Ela devia estar no quarto. Deu um sorriso satisfeito, era como voltar aos dias em que ela o esperava em casa.
Deixou as duas refeições na cozinha e foi para o quarto. Seu coração acelerou de emoção ao achá-la dormindo enrolada no lençol, parecendo uma criança.
Se aproximou da cama e sentou. Admirou o rostinho que amava tanto, a boca que parecia um coração, a bunda pequena e redondinha...
Enfiou os dedos nos cachos gostando da sensação de acariciar seu couro cabeludo.
Clara abriu os olhos, sem foco, e os fechou novamente. Cedar continuou a carícia na cabeça e a viu franzir as sobrancelhas. Seus olhos abriram novamente, mas dessa vez ela o olhou com seriedade.
— Cedar...
Ele se deitou e ela tentou levantar, mas Cedar a impediu.
— Eu trouxe o seu almoço.
— Você me trancou!
— Eu queria que você descansasse.
— Vo.Cé.Me. Trancou! Está louco?
— Sim. - Clara entreabriu os lábios, mostrando surpresa. — Preciso que você fique aqui.
— Eu preciso sair!
Ele segurou seu rosto.
— Ficará aqui comigo.
Ela empurrou seu peito e se remexeu.
— Você sabe que isso é sequestro?
— Sei.
— Pensa que vai acontecer igual Estela e Vengeance?
— Então te contaram a história.
— Contaram e eu achei absurdo, se você quer saber!
— Acalme-se. Não faz bem para o bebê.
— Não seja cínico!
— Por favor, Clara, estou preocupado com vocês. - ela tentou empurrá-lo mais uma vez e Cedar a abraçou. — Fique calma, pequenina.
— Eu não vou...
Ele pressionou seus lábios nos dela. Sentiu Clara apertando os lábios, contudo não desistiu. Ele sentira muita falta de beijá-la. Ela virou o rosto e ele deixou que se afastasse.
— Precisamos de um tempo só para nós dois, Clara.
— Eu não quero!
— Clara, nós vimos juntos nosso filho. Você me quis ali.
— Foi só... - ela franziu os lábios.
— Foi só o nosso amor.
— Você falando de amor?
— Estou. Você sabe que te amo. - Clara pressionou os lábios novamente. — Só quero um tempo para nos entendermos.
— Quando vai entender que não te quero mais?
— Não foi o que você mostrou nesta cama.
Ela arregalou os olhos.
— Você quer jogar isso na minha cara? Foi só uma necessidade.
Cedar esfregou o nariz no rosto dela.
— Eu sinto necessidade de você o tempo todo.
Clara se afastou mais dele e Cedar não a impediu, contudo permaneceu com a mão em seu quadril.
— Devia ter pensado nisso antes.
— Eu vou continuar te pedindo perdão até você aceitar.
Ela o encarou, franzindo as sobrancelhas. Seu rosto enrubesceu e os lábios tremeram. Cedar aumentou o aperto no quadril.
— Você acreditou que eu dormi com o Painting.
— Eu estava louco de ciúmes.
— Não aceito isso.
— Por favor.
— Você me humilhou na frente de toda colônia.
— Não. Acham que eu fiz algo que te machucou.
— Você fez.
Cedar acariciou com o dedo indicador as sobrancelhas dela. O rubor no seu rosto mostrava que estava alterada.
— Me perdoe. - Clara fechou os olhos, mas Cedar percebeu lágrimas se formando. Seu coração doeu. Ele feriu sua companheira quando devia protegê-la. — Você é tudo para mim. Me aceite de volta mesmo que não me perdoe. Eu passarei toda a minha vida tentando, se for preciso.
Então ela abriu os olhos e as lágrimas escorreram.
— Você quebrou o meu coração... - Clara disse e, fechando novamente os olhos, irrompeu num choro sofrido.
Cedar a abraçou carinhosamente e ela permitiu. Clara afundou o rosto em seu peito e seus ombros se sacudiram.
— Meu amor... - ele sussurrou e sua dor era insuportável, porque partira o coração da pessoa que mais amava no mundo.
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CEDAR: Uma história Novas Espécies 5
Science FictionCedar é um dos Novas Espécies, seres humanos criados em laboratórios da indústria farmacêutica Mercille. As Novas Espécies tiveram seu DNA alterado com DNA de alguns animais. Cedar é membro do Conselho das Novas Espécies e atualmente cumpre seu trab...