EPÍLOGO

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Cedar estava deitado em sua cama, as mãos atrás da cabeça e os tornozelos cruzados. Esperava Clara terminar de se arrumar. Era o 21º Natal que passavam juntos e, como em todos os outros, ela vestia o casaco mais grosso que tinha. O Clube era aquecido, o automóvel também, porém ela dizia se congelar  nos pequenos percursos da casa até o carro e do carro até o Clube.
Observou-a, sentindo um quentinho no coração. Ela ainda era magra, mas os anos e as gravidezes haviam lhe dado contornos mais definidos nos quadris. Ele não se cansava de deseja-la. Ela usava um vestido prata de um tecido que ele aprendera naquela noite que se chamava veludo molhado. Não entendia porque os humanos complicavam os nomes das coisas. Como é que o veludo era molhado?
Ela terminou de abotoar o grosso sobretudo e se olhou ao espelho.
— Ainda estou elegante com este agasalho, não estou?
— Você está linda. - respondeu apressadamente, pois aprendera que as mulheres precisavam se sentir bonitas e a sua não era uma exceção.
Clara ajeitou mais uma vez as roupas e suspirou.
— Bem, não ficarei melhor do que isso
Saltando da cama, Cedar a agarrou.
— Quer que eu mostre o quanto está atraente?
— Você não vale.- falou, dando-lhe um tapinha no peito.
Cedar franziu a testa.
— Alguma outra opinião vale para você?
Clara acariciou o rosto do companheiro.
— Não. Tudo que é mais valioso para mim está em você.
Ele esfregou o nariz no dela.
— Assim como você para mim, minha fadinha.
Com uma risada, ela se soltou dele.
— Não sou mais uma fadinha. Estou mais para a fada madrinha da Cinderela.
— Aquela que dormiu 100 anos?
— Não. Essa é a Bela Adormecida. Cinderela é a com sapatinhos de cristal.
Cedar deu de ombros.
— Nunca entenderei essas lendas humanas.
Clara riu novamente.
— Amor, são contos de fadas.
— E assim voltamos às fadas.
Ouviram batidas na porta. Clara se virou para atender.
— Entre, Aurum.
Clara deu a língua para ele, que sorriu. Ela detestava quando ele usava seus sentidos deixando-a para trás
A porta, porém não se abriu  Sua companheira deu-lhe um olhar de zombaria e abriu a porta. O alto e forte rapaz, que na verdade tinha apenas 14 anos, deu um sorriso para a mãe.
— Mãe, você está linda.
Aurum, como seu nome dizia, tinha a pele dourada e seus cabelos eram uma tempestade de cachos entre o louro da mãe e do castanho-dourado do pai. Os cientistas da ONE descobriram que os cromossomos das pessoas negras conseguia contribuir para a formação biológica dos bebês Novas Espécies. Gift Wild fora o primeiro a nascer com a herança genética da mãe. Ele chamava a atenção em qualquer reunião de espécies. Dos seus três filhos, Aurum fora agraciado com certa semelhança com Clara.
O sotaque do rapaz ainda tinha resquícios do britânico, pois passara os últimos quatro anos na Inglaterra. No rodízio do Conselho, Cedar assumira a embaixada da ONE em Londres e permanecera um pouco mais para o filho terminar o colegial.
— Obrigada, bebê.
O garoto fez uma careta.
— Não me chame disso na festa, tá?
Cedar pulou da cama.
— O que você quer, filho?
— O pessoal me chamou para ir mais cedo para o Clube.
— O pessoal ?
— Lily e Daisy. - Cedar e Clara se entreolharam. — O que foi?
Clara colocou a mão em cima do coração do filho.
— Daisy não é namorada do Toriba?
O rapazinho corou violentamente.
— O que tem isso?
— Não acha que ele pode se aborrecer de vocês sempre andarem juntos?
— Outros garotos também vão.
Cedar ergueu as sobrancelhas. Daisy era a filha de 17 anos de Breeze e Didier e estava visitando Homeland I com os pais. Toriba a conhecera quando o casal passara férias em Homeland III.
Desde que a garota chegara, ela e Aurum passavam grande parte do dia juntos.
Cedar segurou a mão de Clara e a tirou do peito do filho.
— Aurum, não é certo estar com Daisy sem a presença de Toriba.
— Mas ele está no Brasil.
— E não gostará nada disso.
— Pai, não ficamos juntos desse jeito. - falou, com o pescoço ficando vermelho.
— A última vez que vi uma fêmea entre dois machos, também foi a primeira vez que vi um macho agredir uma fêmea.
— Daisy não está entre mim e Toriba.
— Afaste -se dela.
— Pai... Isso é um exagero.
Cedar respirou fundo e olhou para a esposa.
— Pode nos esperar na sala?
— Cedar... - ele apenas a olhou em silêncio. Clara suspirou. — Está bem, não demorem.
Ela saiu do quarto e Cedar encarou o filho; ele já tinha quase a sua altura e seus músculos acompanhavam o seu crescimento.
— Sei que está atraído pela garota e ela por você, mas não é justo com Toriba.
— Nós não...
— Diga para ela terminar o relacionamento com ele.
— Pai, eu sou mais novo que Daisy e...
— E quer transar com ela.
— Pai!
— Já disse, dois machos querendo a mesma fêmea terminará em sangue. E você envolverá eu e o pai de Toriba nessa luta. Não deixarei aquele macho matar você.
Aurum contornou o pai e compassou pelo quarto. Seu rosto estava transtornado.
— Eu penso nela o tempo todo. Meu sangue ferve quando Daisy me toca.
Cedar o olhou quase com pena.
— Ela tem que escolher.
— Ela... Toriba é mais velho e já é um oficial em Homeland III. E eu...
— E você é um macho saudável e atraente.
Aurum o olhou com esperança.
— Você acha que ela me aceitará?
— Ela tem que escolher. - repetiu.
Aurum mordeu o o lábio inferior, mostrando as presas.
— Eu não sei se terei coragem.
Cedar segurou o filho pelos ombros.
— Converse com ela.
O garoto balançou a cabeça.
— Está bem, pai.
Segurando o filho pela nuca, desceram para a sala. Isaac e  Calm conversavam em voz alta. Melhor, Isaac contava algo animadamente ao irmão. Calm, como era desde o ventre, ouvia com um sorriso suave o irmão apenas dois anos mais velho.
O nome do seu segundo filho fora dado por ele, depois que o doutor Tredmont repetira mais uma vez que o bebê se mexia pouco, mas estava absolutamente saudável.
Isaac contava sobre a luta que tivera com Elo Colorado e como vencera o amigo.
— Expliquei àquele brasileirinho que não deveria ter me desafiado.
— Você também é brasileiro. - retrucou calmamente o irmão.
— Mas não uso isso como um troféu. Elo faz questão de dizer que nasceu numa floresta cheia de animais selvagens.
— Você também nasceu.
Isaac segurou Calm e lhe deu uma chave de pescoço.
—  É só concordar comigo, cara.
— Pare com isso. - ordenou Cedar e o rapaz largou o irmão no mesmo instante.
— Só estou tentando convence-lo a...
Calm, ajeitando os cabelos curtos, se dirigiu ao irmão.
— Não ficarei no meio da disputa entre você e o Elo.
— Não é uma disputa. Eu sou muito melhor.
Clara se aproximou, ajeitou a camisa de Calm e olhou para Aurum.
— Você não sairia mais cedo, filho?
Aurum olhou para o pai antes de responder.
— Não. Ligarei para Daisy e direi que irei com vocês.
Todos olharam para ele, porém não fizeram comentários. Cedar percebeu que o interesse de Aurum não era um segredo para a família e talvez não fosse para os outros.
— Certo. - falou, pegando a chave do automóvel. — Calm, quer ir conosco?
— Não, vou com Isaac.
— Claro. Eu sou uma ótima companhia.
Clara riu
— É mais fácil que seu irmão vá para te impedir de correr. O asfalto está congelado.
— Eu sempre tomo cuidado, mãe. - falou, fazendo uma careta quando Calm ergueu as sobrancelhas.
Os dois rapazes sairam com Isaac tagarelando. Cedar não se preocupava com a agitação do filho; Isaac era um excelente veterinário, como a mãe, e trabalhava na Reserva, para tristeza de Clara, que não se conformava em ficar longe do seu primogênito.
Mais tarde, partiram para o Clube e ele entrou com a companheira no colo. Clara tinha um medo real de cair por causa do chão congelado. E para ele, era sempre um prazer carrega-la. O fazia lembrar-de de como ela gostava de ficar em seus braços quando passeavam em Homeland III.
Entraram no Clube, que havia sido ampliado a medida que a população espécie aumentava.
Cedar admirou o grande salão todo enfeitado para o Natal. Viu as mesas circulares onde estavam sentados os nove Conselheiros e suas companheiras. Breeze estava com Didier, com Creek ao seu lado.Elas não pareciam nem um ano mais velhas de quando foram libertados de Mercille.
Com a mão nas costas da companheira, Cedar caminhou ao encontro dos seus pares. Viu uma jovem fêmea levantar-se de uma mesa num canto com vários jovens. Era alta, com longos cabelos negros e lindos olhos. Era Daisy. Aurum o olhou e foi para a mesa juvenil.
Cedar refletiu em como os jovens espécies assimilaram os hábitos dos humanos. Cada vez mais se comportavam como os jovens não-espécies que moravam nas propriedades da ONE. Observou uma mesa mais adiante, onde se sentavam Forest, Salvation e Noble, os primeiros filhotes espécies. Os três despontavam como os futuros líderes do seu povo.
Aurum caminhou, não para as mesas onde estavam adolescentes como ele, mas para a que estava Daisy com outros jovens. Francisco o cumprimentou e fez sinal para que sentasse ao lado de Daisy. Seu filho sentou em outro lugar. Hope Jonhson  trocou um olhar com Lily Harrys e as duas lançaram olhares para uma surpresa Daisy.
Cedar se orgulhou do filho. Por mais que tivesse convivido com humanos, guardava os códigos de honra dos Novas Espécies.
Justice incentivava a convivência dos espécies com humanos. Tanto seus colaboradores humanos quanto a maioria dos espécies acasalados com humanos pensavam que era um exemplo de confraternização e paz duradoura. Cedar e o restante do Conselho, porém conheciam o plano à longo prazo do seu líder. Justice pretendia que as Novas Espécies se misturassem cada vez mais aos humanos ao ponto de não serem mais temidos. Sua superioridade física e intelectual os levariam a tomar posições chave na sociedade e política. Sua longevidade os permitiria desenvolver planos que os humanos levariam duas gerações para alcançar.
O medo dos homens se concretizaria: as Novas Espécies dominariam o mundo.
Cedar olhou para a única humana que realmente o interessava. Ele dominaria o mundo, contudo ela o dominaria. Sorriu, contente por um dia Clara tê-lo encantado como uma fadinha realmente devia fazer.
Nesse momento, Clara ergueu o rosto e sorriu. Em silêncio formou com os lábios as palavras mais importantes que ele já ouvira: eu te amo.

CEDAR: Uma história Novas Espécies 5Onde histórias criam vida. Descubra agora