Capítulo 54

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Clara se submetia com um sorriso genuíno às tarefas dadas a ela pelas animadas mulheres em seu chá de bebê.
O espaço de lazer do Clube estava todo enfeitado de azul, das mesas montadas para o evento até os balões cintilantes. Numa mesa, Tenderly havia produzido bolos, biscoitos, pães, frios e patês em variedade e boa quantidade, já que todas as mulheres Novas Espécies haviam sido convidadas. Clara achou engraçado Tenderly ter comentado que calculou três vezes mais a quantidade de petiscos e guloseimas.
A festinha estava sendo um desfile de modas, já que todas tinham apenas Santa Rosa onde procurar diversão. As humanas foram bem arrumadas, mas as outras pareciam modelos.
Tentava resistir às cócegas, enquanto Rain desenhava um rostinho feliz na sua barriga, que estava redondinha e pontuda no meio da gravidez.
Clara deixava as amigas curtirem sua gravidez, pois diversas possuíam o sonho de engravidarem. Cedar contara que cinco fêmeas já haviam engravidado de humanos em Homeland I, porém era um número irrisório diante do nascimento dos bebezinhos masculinos.
Rain terminou de desenhar e foi aplaudida.
Estela pegou o presente que Creek dissera que deveria ser o último a ser entregue , uma caixa pequena, cheia de fitas coloridas.
— E este aqui é de... - abriu o envelope e deu um sorriso. — Justice e Jessie!
Palmas soaram e Estela entregou a caixa para Clara, que a sacudiu. As mulheres a incentivavam a continuar.
— Ai, gente... Não tem como adivinhar.
— Pode abrir, então. - disse Estela.
Soltando as fitas que prendiam a caixa, Clara abriu a tampa e tirou duas fotografias. Ergueu as sobrancelhas e sorriu. A primeira mostrava uma casa com varanda e um lindo jardim. Na outra, um quarto ensolarado de paredes brancas cheio de acessórios para bebês: carrinho, bebê conforto, cadeirinha de descanso e banheira com suporte e cadeira para alimentação.
— O que é? - perguntou Carla,,que se tornara uma grande amiga.
Clara ficou com os olhos marejados e mostrou as fotografias para ela.
— Uau! Posso mostrar? - Carla perguntou.
— Pode.
As fotografias passaram de mão em mão. As mulheres soltaram exclamações diversas.
— Que presentão! - exclamou Estela e em seguida fez o anúncio muito esperado. — Agora é hora do lanche.
Enquanto as mulheres Novas Espécies se adiantavam para as mesas com os lanches, Clara olhava para as fotografias e a enormidade das mudanças que passaria a assustaram. Seria esposa de um homem importantíssimo, moraria em outro país e numa sociedade diferente da sua. E se tornaria mãe de uma criança geneticamente modificada.
Sua mãe segurou seu ombro.
— Está tudo bem?
— Unhum.
— Tem certeza?
Clara respirou fundo.
— Não sei se serei uma boa esposa e mãe.
— Filha...
— Eu sou meio doidinha, pareço um moleque e sou muito impulsiva.
A mãe a abraçou.
— Você é responsável, bondosa e... Não é de fadinha que Cedar te chama?
O rosto de Clara enrubesceu e ela temeu chorar. Abraçou a mãe, lembrando que dali a uma semana viajariam para a Califórnia.
— Vou ficar tão longe de vocês...
— Meu genro disse que quer eu e seu pai no nascimento do Isaac.
— Vai sair uma viagem muito cara!
A senhora deu um sorriso feliz.
— Ele disse que seremos convidados da ONE. - sussurrou no ouvido da filha. — Vão pagar tudo para nós.
— Sério?
— Ele me falou ontem.
Clara abraçou a mãe com mais força.
— Ah, isso será bom demais!
— Clara! - ela se virou. Verity acenava. — Você tem que provar esse macaron!
A mãe apertou a filha e a soltou.
— Vamos lá.
De braços dados com a mãe, Clara foi até a mesa e provou os macarons. Tenderly aprendera a fazer o doce especialmente para o chá de bebê.
Pensou que tinha mais motivos para ser feliz do que ficar se preocupando com o futuro. O último mês fora maravilhoso. Além de sentir-se muito bem fisicamente, o bebê se desenvolvia e o mal estar com Painting passara.
O amigo a tratava com gentileza, porém nunca mais voltara a forçar uma intimidade. Ela o treinara para assumir a clínica e trabalhavam com eficiência e serenidade. Vez ou outra, Clara o percebia olhando-a, mas ele sempre desviava o olhar. Ela encerrava o seu turno na clínica mais cedo e se embrenhava na floresta. Ela e suas escoltas tentavam imaginar o que tanto ele fazia lá.
Ela gostava muito de Painting e a decisão dele de abafar o que sentia por ela a deixara muito feliz. Naquela semana ele perguntara pelo bebê e Clara levara para ele a última ultrassonografia.
Seu pai viera também e dali a dois dias ela e Cedar se casariam numa cerimônia simples, apesar dos protestos de suas amigas.Partiriam para Homeland como um casal.
Comeu outro macaron, concluindo que sua vida era boa. Muito boa.

No escritório, Cedar terminava de empacotar seu material pessoal. Sky assumiria a direção da colônia no dia seguinte.
Apreciara os quase dois anos que estivera no comando de Homeland III, contudo sentia falta da Reserva, onde passava a maior parte do ano.
Justice lhe dissera que uma nova casa lhe seria atribuída, uma mais apropriada para uma família , e mal podia esperar para ver sua mulher instalada ali. Logo que chegassem a Homeland seriam oficialmente acasalados. Só a chegada de Isaac seria mais importante que sua união.
Seu telefone celular tocou e ele o pegou, franzindo a testa quando viu o nome de Painting na tela.
— Cedar.
Olá, Cedar. Eu gostaria de falar com você.
Cedar lembrava-se muiti bem da última vez que falara com aquele macho.
— Diga.
Não. Preciso falar com você pessoalmente.
— Do que se trata, Painting?
É sobre Clara.
— Como?
Houve uma pausa no telefone.
Ela contou para você as conversas que tivemos?
— Não venha com conversas furadas, macho.
Estou falando sério. É por isso que preciso conversar com você.
— Não.
Cedar, estou preocupado com Clara. Ainda mais porque ela não te conta tudo.
— Não há motivo nenhum para você se preocupar. Eu e minha companheira não temos segredos.
Há muito que ela não te fala, porque tem medo da sua reação.
— Deixe de história.
Ela te contou que eu implorei que ela ficasse comigo?
— Como é que é?
Sim. Antes de vocês se reconciliarem e depois também.
Cedar ficou furioso.
— Deixe, Clara em paz.
Eu não desisti dela.
— Você quer que eu te mate, Painting? Eu já quase fiz isso.
Venha me encontrar.
— Desistiu de viver, por isso está me falando essas idiotices?
Quero falar face a face.
Cedar rosnou sentindo realmente vontade de matar o macho.
— Se eu for aí eu machucarei você.
— Estou te esperando, Cedar.
— Onde você está?
— Na clínica.
— Estou indo.
Painting encerrou a ligação. Cedar mal conseguia respirar de tanto ódio do antigo amigo. Não acreditava que Clara estava escondendo algo dele.
A menos que ela tenha medo de eu matar esse macho cínico.
Pensou em como sua companheira fizera de tudo para manter a paz entre ele e Painting. Depois de quase matá-lo imaginou que o macho desistira de Clara.
Deixou a caixa com os seus pertences sobre o sofá e saiu do seu escritório. As salas estavam ocupadas por machos, porque todas as fêmeas estavam no chá de bebê de Isaac.
Sky veio ao seu encontro.
— Já está de saída?
— Tenho um assunto para resolver.
— Não vai espiar a festa, vai?
— Não.
— Tive alguns machos sorrateiros tentando entrar no Clube. Queriam doces.
Cedar riria do comentário se não estivesse focado em Painting.
— Deixei uma caixa no seu escritório. Mais tarde venho pegar.
— O escritório ainda é seu.
Cedar forçou um sorriso.
— Até mais tarde.
Acenou para seu segundo em comando e foi na direção da clínica veterinária. Estava mais do que irado e não tinha nenhuma intenção em se conter com Painting. O que tivesse que acontecer seria responsabilidade do macho.
Quando já estava na trilha para a clínica, seu telefone tocou. Era Painting novamente.
— Fale.
— Estou no depósito atrás da clínica.
Certo.
Cedar não entrou na clínica, mas deu a volta na construção para ir ao depósito. Chegou e a porta dupla estava aberta. Entrou e seu nariz coçou com o cheiro de desinfetante e cloro.
Painting estava parado na frente de estantes com caixas e caixas de medicamentos e material médico. Pensou que era uma ironia que a aparência dele passava uma impressão de fragilidade e até mesmo de afabilidade.
— Pense bem no que irá dizer, macho. Não estou com paciência. - Cedar rosnou.
Painting o encarou.
— Quero que saiba que sempre o admirei, Cedar.
— Diga logo o que precisa.
O outro macho mostrava tristeza no olhar.
— Eu enlouqueci. Não consigo desistir de Clara...
Cedar deu um passo.
— Não quero ouvir mais nada. Eu sairei agora e se te encontrar novamente te machucarei muito. E, se te matar, você mereceu.
Ele se virou para sair.
— Cedar.
— Fique longe de mim e da minha companheira.
— Pare.
Cedar se virou, pronto para atacar Painting, porém estacou ao ver o rifle na mão do outro. Antes que pudesse saltar e pegar a arma, ouviu um estampido e imediatamente sentiu uma dor no peito. Olhou para baixo e viu o enorme dardo tranquilizante que perfurara seu peito.
— O que pensa que está fazendo? - perguntou, arrancando o dardo.
— Não quero matar você.
— Você...
Cedar sentiu a língua ficar pesada e uma sensação gelada se espalhou do seu peito para os braços.
Balançou a cabeça tentando desanuviar os olhos. Sus pernas dobraram e caiu no chão. Seus braços e pernas convulsionaram e ele tentou enxergar Painting.
— Eu disse que enlouqueci. Quando você acordar eu já terei partido com Clara. Ela é minh...
Os olhos de Cedar fecharam e ele sentiu sua consciência desligar.
Clara...- foi seu último pensamento.

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