ZERO

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O ruído seco e contínuo das rodas em atrito com o asfalto quebrava o silêncio quase sepulcral que ditava aquela típica noite quente de verão na cidade de Anga-Guaçú.

Timóteo no auge de seus quatorze anos amava a sensação de deslizar pelas ruas se equilibrando sobre o shape do skate enquanto as árvores e carros passavam feito borrões e o vento lambia o seu rosto. Pouco sabia sobre a vida, mas tinha certeza que aquela era a sensação de liberdade almejada pelos adultos que tanto ouvira falar.

O mês de janeiro estava quase no fim e aqueles momentos de lazer noturno logo se extinguiriam assim que o ano letivo começasse de fato, portanto se esforçava para aproveitar cada segundo do que lhe restava de férias. Sua mãe fazia a linha dura e sabia que assim que o mês de fevereiro resolvesse dar a cara, os passeios estariam estritamente proibidos.

Descia uma ladeira tranquilamente quando avistou logo abaixo, parado próximo ao cruzamento, a figura de um rapaz tão magro quanto ele - porém maior em estatura - segurando seu skate debaixo de um dos braços.

- Pô Tim! Achei que você tinha se perdido. - Reclamou o garoto. - Estou há meia hora te esperando aqui.

- Cala a boca, Carlos! - Respondeu Timóteo se aproximando. - Eu estava logo atrás de você.

Timóteo já era amigo de Carlos muito antes de se conhecer por gente. Cresceram juntos, como vizinhos, em casas conjugadas. Eram como irmãos. Apesar de ser dois anos mais velho, Carlos compartilhava das mesmas manias e gostos do amigo, como andar livre de skate pelas ruas da cidade durante as noites de férias.

- Eu tinha me esquecido que você andava feito uma menininha. - Retrucou Carlos.

- Você é um trouxa mesmo! Eu vi quando você parou aqui na esquina, não estava tão longe assim.

- Estava tão longe quanto estaria uma menininha.

- Chega dessa idiotice! - Reclamou Timóteo irritado. - Pra que você parou aqui afinal de contas?

- Tô de saco cheio de andar por aqui. Vamos lá nos galpões?

- Você tá ficando maluco? Tamo longe para caramba de lá.

- E daí? Tá cansadinho por acaso? Vai dizer que está com medo de ir para lá de novo. Eu já não te falei que não existe esse negócio de fantasmas e lobisomens? - Provocou Carlos.

- Não é nada disso não. É que já tá tarde e minha mãe quer que eu volte antes das dez.

- Ué, por quê? As férias ainda nem acabaram.

- A culpa disso é sua, você sabe que ela não gosta que eu vá para os lados do bairro industrial e mesmo assim você me obriga. - Reclamou Timóteo.

- Eu não obrigo ninguém não, mané! Se você quiser pode ralar que eu não preciso de nenhum bundão pra me acompanhar.

- Ah tá! Como se você fosse andar sozinho naquele lugar abandonado a essas horas da noite. Me engana que eu gosto.

- Qual o problema? Eu não sou bunda mole feito você não Tim.

- Ah, então porque você nunca foi sozinho?

- Nunca fui porque nunca quis, mané! Sem falar que você sempre tá colado em mim feito carrapato, como que vou conseguir andar sozinho desse jeito?

- Sei, sei! - Desdenhou o garoto. - Faz de conta que eu acredito.

Carlos soltou a prancha que estava sob o braço no chão e lançou um olhar de irritação para o colega.

- Bom, não me interessa o que você pensa. - Disparou então. - Eu vou sozinho mesmo. Senão quiser ir junto, pode voltar chorando para sua mamãezinha, mané! - Decretou Carlos subindo no skate e rapidamente deslizando para longe do amigo.

Elafium: A guerra ocultaOnde histórias criam vida. Descubra agora