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In Memoriam

Hoje não vou falar dos meus sonhos, dos meus desejos, das minhas decepções, das minhas ilusões, vou falar de um amor, um amor incondicional, daqueles pelo qual você não chora, não sofre, não passa noites acordada, não fica se remoendo e com a cabeça fervendo, vou falar do amor de pai e filha, vou falar do meu amor pelo meu pai. Minha relação com o meu pai talvez não fosse uma das melhores, como dessas que se vê em novelas, nos filmes, aquela relação perfeita na qual a filha pode contar " quase " tudo para o pai, eu o respeitava muito, o amava muito, mas não era uma relação perfeita. Ele era teimoso, eu também, cabeça-dura, eu também, mas dono de um coração enorme, generoso e sempre ajudava as pessoas, era do tipo de homem que se importava mais com os outros do que com ele próprio, acho que puxei isso dele, meu pai era um homem muito bom, tinha lá os seus defeitos e manias, sempre acordava cedo e fazia seu café, passeava pela rua, falava com os vizinhos, meu pai era muito conhecido aqui no bairro e todo mundo gostava muito dele. 

Eu gostaria de ter tido uma relação melhor com ele, gostaria de tê-lo abraçado mais, de poder ficar horas conversando com ele, de falar Eu Te Amo, porque eu não falava isso com frequência, e isso é algo que me dói muito, pelo fato de não termos uma relação tão boa, mas isso não era motivo para que eu não falasse e nem ele, era muito dos dois, ele não era de ficar abraçando e falando que me amava, mas eu sabia que ele me amava e ele sabia que eu o amava, eu não demonstrava em gestos, nem nada, mas ele era e é alguém que eu amo muito. Meu pai tem uma história muito louca, da primeira vez que ele foi parar no hospital ele fugiu, porque um homem que estava no mesmo quarto que ele morreu, então ele deu um jeito de fugir, mas aí a pergunta, como? Até hoje eu não sei direito, ele só chegou aqui em casa de táxi e dizendo que não voltaria para o hospital, mas ele acabou voltando. 

Eu não vou me estender sobre o que o levou a voltar para o hospital, acho que seria expor demais a minha vida e o que eu quero com esse texto é só falar do meu amor pelo meu pai, contar algumas coisas e falar dele, mas continuando, ele voltou para o hospital e dessa vez ficou um tempo por lá, foram dias, semanas de angústia, de medo, de uma tristeza enorme, eu era pequena, eu e meu irmão eramos pequenos e passamos dias difíceis, tendo que ver minha mãe sair de casa para ir para o hospital ficar com o meu pai, chegamos a passar o natal sem meu pai, foi a primeira vez que isso aconteceu, muitas coisas foram ditas na época, mas Deus foi muito generoso com o meu pai, dando mais uma chance para ele e depois de um tempo no hospital ele saiu e voltou para casa. Sua volta devolveu a alegria que até então tinha dado uma escapada, ele voltou muito diferente, claro, foram semanas no hospital, ele voltou mais magro e brigando comigo e com o meu irmão, só porque estávamos passando a mão em um cachorro, foi até engraçado. 

Com ele em casa as coisas foram voltando a ser como eram, minha mãe cuidando dele, ele brigando comigo e com o meu irmão, coisa que os pais sempre fazem, mas com o passar dos anos muitas coisas voltaram a acontecer, eu e ele chegamos a nos estranhar um dia, não foi algo legal, me lembro muito desse dia porque eu fiquei muito mal, muito mesmo, eu só queria o bem dele e só falei coisas por me importar com ele, por me preocupar com ele, quando você ama uma pessoa você quer o bem dela, você puxa orelha, você dá bronca, porque você ama, porque você quer o bem da pessoa e foi o que eu fiz nesse dia. Por tantas coisas terem acontecido, o dia dos pais não era cheio de abraços, beijos, presentes, não tinha nada disso e eu me arrependo muito de não ter sido uma filha mais carinhosa, quando eu era pequena isso era mais frequente, mas depois de crescer um pouco isso acabou mudando. 

Mesmo que nossa relação de pai e filha não fosse uma das melhores, nos divertíamos, ele gostava de assistir filmes de ação, coisas de luta, muita explosão, mas tinha um filme japonês, chinês, tailandês, não me recordo agora, mas ele gostava muito, sempre assistíamos juntos, sempre, e era meio engraçado, tinha uma cena que ele adorava e dava tanta risada e olha que ele já tinha visto o filme milhões de vezes. Mas ele sempre me pedia para ver, ele não sabia mexer no dvd e sobrava para mim, mas eu não reclamava, porque eu acabava assistindo com ele, se não me engano o nome do filme é O Guarda Costas, ele acabou dando o dvd do filme para um vizinho, mas qualquer dia desses vou procurar para assistir de novo. Ele gostava de ir na igreja, não era do tipo religioso, não muito, mas frequentava e me mandava ir também, isso que vocês leram, mandava e eu ia, quase todo domingo lá ia eu para a igreja e meu irmão ia a noite, e com isso meu pai ficava feliz. 

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