39 - A atendente

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Catarina

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Lara tinha um olhar intenso. Olhar do qual eu jamais havia observado antes. Sereno, tranquilizador; um olhar que me penetrava e me desnudava inteira. Seu modo de agir estava estranho, desconfiado, inquieto. E eu de certa forma a entendia bem, estar de frente para ela após tantos dias, levando em conta tudo que houve em seu aniversário, estava nos deixando visivelmente desconcertadas. A valsa nos conectou de uma forma estranhamente inexplicável, e na verdade, até agora, ainda não consegui ignorar como me senti naquela noite.

- Então, não vai me acompanhar no desjejum? - foi a única frase que consegui formular para quebrar o silêncio que se instalou entre nós.

- Se a chefe me liberar, claro que vou. - ela sorriu divertidamente, levantando-se e indo até o balcão para fazer seu pedido.

Eu nunca vi uma Lara tão divertida, tão leve e tão humorada antes. Quase não consigo lhe reconhecer. Não encontrei nela garota mimada e resmungona de sempre. Aliás, qual a causa dessa mudança de comportamento repentino? Será que a falta do seu cargo no jornal resultou em tantas mudanças em seu comportamento assim? Bom, melhor nem tentar descobrir, Lara é a mais profunda incógnita e, nem sei se sou boa o bastante para tentar solucionar.

Me arrancando do meu absorto de pensamentos, ela volta com um café duplo e algumas torradas com ricota, sentando-se enquanto tentava falar algumas palavras, mas em cada som que ela proferia, um banho de farelos de torradas me dava. Será que a mãe dessa menina não lhe ensinou a não falar de boca cheia? E por falar em mãe, acho que é melhor nos apressarmos, pois do contrario, Eduarda arrancará nossas cabeças fora.

Fechei meu livro e desisti da leitura, simplesmente para me deliciar com a visão a minha frente, de Lara degustando suas torradas e seu café amargo. Entre um gole e outro, enquanto conversávamos e riamos, notei os olhares da nova atendente - grosseira e antipática- olhando em intervalos de atendimento, a cada cinco minutos, para a ruiva a minha frente.

- Você a conhece? - perguntei sentindo um pouco de incômodo no peito. Seria isso o tal ciúmes que todos falam?

- Conheço quem? - ela perguntou confusa, voltando seus olhos para a direção que os meus mostravam.

- A atendente do balcão de expressos. - eu não sabia explicar ao certo o que estava me incomodando, mas algo estava, e certamente tinha muito a ver como o fato de como ela olhava para Lara.

- Ah, sim, a Clarice? Não, na verdade não faz muito que a conheço. É que como você e a dona Maria Eduarda amavam me colocar no cargo de estagiária servidora de café oficial do jornal, acabei fazendo amigos nesse lugar. Sabe como é né? A frequência com a qual você frequenta um ambiente fideliza e te faz criar laços de amizade.

- Quer dizer que vocês criaram laços de amizades? Hum... Bom saber! Achei que ela fosse novata aqui, pois nunca a vi antes. Se ela está aqui desde antes do seu afastamento do jornal, como a vi somente agora?  - eu estava realmente intrigada.

- É que o Le coffee é propriedade dos pais dela. Clarice não necessariamente está aqui sempre, vem somente quando o local precisa de reforços. - como ela sabia tanto sobre essa tal garota misteriosa? Isso estava me deixando ainda mais incomodada.

- Como descobriu tanto sobre essa tal Clarice? Fez um dossiê sobre a vida dela? - fiz questão de não esconder meu descontentamento sobre essa amizade repentina.

- Um dia desses que precisei vir até aqui, fiquei em duvida sobre um pedido e ela me ajudou a escolher. O movimento estava tranquilo... Era final de tarde e eu estava precisando de algo que me deixasse algumas horas fora do jornal. Clarice e eu conversamos por alguns minutos e a amizade nasceu de imediato. Ela precisava desabafar sobre como era chato estudar e trabalhar no café para agradar seus pais, e eu precisava reclamar sobre trabalhar no jornal, se bem que se essa conversa fosse hoje, eu diria o quanto estou bem em ter voltado para a minha antiga função.

- Vamos embora agora mesmo, temos muito trabalho a fazer na redação. Não pense que vou aliviar porque é seu primeiro dia. - falei ríspida.

- Esse estresse repentino é pela minha nova amiga? - ela disse sorrindo com sarcasmo e eu odiei vê-la tão vitoriosa sobre mim.

- Me poupe, Lara. Você não é o centro do universo. O mundo não gira em seu eixo. - levantei-me, peguei o livro e segui meus passos para o jornal. Lara e seu sorriso cínico conseguiu acabar com meu bom humor matinal.

Contudo, quando pensei que Lara já havia dado seu melhor para me irritar, ela se supera indo até a tal Clarice e se despedindo com um beijo no rosto, antes de me alcançar na porta de saída daquele lugar. Ninguém no mundo conseguia me irritar com a mesma facilidade que essa ruiva. Céus, precisa mesmo de todo esse dengo?

L a r a - [ROMANCE LÉSBICO]Onde histórias criam vida. Descubra agora