27 - A Carta

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Lara

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Eu estava tão curiosa para saber o conteúdo daquela carta que eu não conseguiria esperar até que eu finalmente tivesse "um tempo livre". Tomei o álbum em minhas mãos e segui apressada até o lugar mais livre de pessoas que meus olhos conseguisse capturar. A idéia inicial seria subir até o meu quarto, mas se eu subisse outra vez aquelas escadas chamaria muita atenção e, isso era a última coisa que eu queria. Então caminhei e encontrei um espaço um pouco mais afastado; era uma salinha apertada e com pouca ventilação, mas era espaço suficiente para fugir de todo aquele barulho e me concentrar naquele conjunto de palavras escritas em minha dedicatória.

"Querida, Lara!

Desculpe a formalidade da minha saudação inicial, mas é que essa já a décima terceira folha que gastei tentando escrever algo interessante e ainda não descobri a melhor forma de começar o que quero dizer... Acho que estou nervosa, até mais do que imaginei que estaria. Mas bom, o fato é que você sempre teve o dom de me deixar nervosa em sua presença, então nada novo por aqui

Antes de mais nada, quero te desejar um feliz aniversário e dizer que eu adoraria ter ficado um pouco mais desfrutando deste dia ao seu lado, mas você sabe, a nossa amizade já não é como antes e talvez eu nem seja uma das pessoas que você queira por  perto. Sem contar que dobrar minha mãe por uma noite inteira não é um trabalho tão simples quanto eu gostaria e você sabe disso. 

Em segundo, agora que as felicitações estão devidamente feitas, queria explicar que pensei por vezes em que presente dar-te, e nenhuma idéia melhor que te presentear com os nossos momentos juntas me pareceu tão boa. Este álbum de fotografias que sempre esteve comigo, agora pertence a ti. Nele está registrado cada sorriso, cada data, cada lurgarzinho que conhecemos juntas. Ele contém minhas melhores lembranças ao lado de alguém, e talvez nem seja tão reciproco, mas eu queria te dizer que me arrependo de ter aberto mão da nossa amizade. É que foram tantos motivos que eu nem sei se conseguiria enumerar  todos eles. Tudo não passou de uma bola de neve.

No início eu sentia medo da minha mãe e vergonha da visão preconceituosa que ela tinha em relação a sua família. Você sabe que nunca foi um trabalho fácil para mim lidar com a mamãe, ela sempre me cobrando as melhores notas, o melhor comportamento, a melhor conduta. Não é fácil ser filha da diretora da escola e você sabe, pois era contigo que eu desabafava, mas não era só isso, tem algo que eu nunca disse. E nem sei o quanto estou preparada para dizer. Mas antes que eu me arrependa, quero confessar que me apaixonei por você. Eu não sei em que momento isso exatamente aconteceu, mas quando me dei conta, já era, eu estava rendida. Toda aquela história sobre eu gostar do Arthur e por isso ter me afastado foi a mentira mais lavada que criei para fugir de você, fugir do que eu sentia. Eu nunca senti nada pelo seu namorado, na verdade eu sentia sim: sentia inveja por ele poder te ter e eu não. Acho que foi ai, nesse momento que eu realmente me dei conta de toda essa paixão. Criei essa história mirabolante de amar o Arthur porque eu era covarde demais para admitir até para mim mesma estar apaixonada por uma garota, sem contar que minha mãe, a mair nazista de todos os tempos, não aceitaria jamais ter uma filha gay. E a pior parte era ter certeza que você estava feliz na sua vidinha heterossexual, completamente apaixonada por seu namorado. Eu juro que nunca quis atrapalhar vocês, eu só precisava fugir, ir para longe de ti e, então criei a postura de garota má que você conheceu. 

Eu nem sei como te encarar na escola depois de tudo isso, mas bom, estamos quase concluindo, falta pouquinho para que sigamos caminhos diferentes e eu não queria guardar isso dentro de mim.

Mais uma vez, feliz aniversário...

Atenciosamente, Kiara!"

Eu estava impactada com tudo que eu havia acabado de ler. Como nunca fui capaz de enxergar? Como fui tão cega? Então foi por isso que ela afastou-se? Eu sempre imaginei que ela fosse uma babaca preconceituosa como sua mãe, mas era exatamente o contrário. E eu não estava lá, eu não estava do lado dela. Eu parti. Mas bem, como eu poderia estar? Como eu poderia permanecer? Aquela diretora fazia questão de nos observar em cada lugar daquela escola. A mãe de Kiara parecia até ser onipresente.  

Enquanto meus pensamentos ainda pareciam atordoados, sinto uma voz pronunciar meu nome apressadamente chamando-me na porta. Acho que a minha festa precisava da minha presença, de fato era melhor eu ir. O melhor seria tentar digerir toda essa história quando eu finalmente estivesse com a cabeça em meu travesseiro. Ao que parece a noite seria longa. Abri a porta e dei de cara com Catarina a minha procura. Caramba, como ela me encontrou aqui?  

L a r a - [ROMANCE LÉSBICO]Onde histórias criam vida. Descubra agora