44 - A conversa

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Catarina

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A atmosfera da sala de Eduarda nunca antes foi tão asfixiante.  Eu estava encarando as parede como se por ironia do destino pudesse encontrar ali uma passagem secreta para me teletransportar para longe dali. 

 — Não tenho o dia todo, Catarina. Diga por favor o que deseja? — ela disse enquanto assinava uma pilha de papéis em sua mesa, quase que ignorando minha presença ali. 

— Vim para dizer que se a senhora não me remanejar para minha antiga função, eu me demito. — falei prendendo o ar, quase sem respirar, sentindo meu peito ser golpeado pela notícia que eu mesma proferi. 

— Você o quê? — ela disse parando o que estava fazendo para me olhar. Os óculos que estavam em seu rosto foram praticamente arrancados e jogados por cima daquela pilha de papéis. 

Estar de frente para Maria Eduarda, sentindo seu ódio implacável sobressair sua íris me fazia tremer de covardia em sua presença. Eduarda sabia como me deixar intimidada, mas agora era tarde para voltar atrás e sair pela mesma porta que entrei. O jeito era encara-la. Respirei fundo e reformulei: — Planejei crescer no jornal pelos meus próprios esforços, não usando Lara como degrau. 

— Ainda esse assunto? Achei que já tivéssemos finalizado. — ela disse descrente e sem paciência.

— Com todo respeito, só poderemos finalizá-lo quando a senhora entender que não estou a venda e acredito que muito menos sua filha. Não faça isso, não me transforme em uma oportunista. Não quero usar sua filha para obter lucros, cargos e regalias...

Lara

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Ao me aproximar da sala da minha mãe ouvi vozes. Era Catarina, eu reconheceria aquela voz macia a quilômetros de distância. Eu pensei em entrar, bater e interromper, mas apesar de saber aquela regrinha básica de etiqueta de que é incorreto ouvir atrás da porta, eu preferi falhar no protocolo desta vez. Eu queria tentar entender o modo como Catarina estava agindo e certamente minha mãe tinha um dedo nisso. Sem mais delongas atentei meus ouvidos para entender aquele assunto que pela atmosfera me parecia bastante sério. Às vozes abafadas pela acústica ruim da saída sonora quase não tornou possível meu compreendimento, mas com muito sacrifício consegui entender algumas coisas.

" Eu agradeço pela mudança de função e o aumento no salário, confesso que sempre sonhei com isso e sei que seu intuito maior não é me comprar, mas deixar Lara amparada, pagando o preço que for para trazê-la de volta para o jornal." 

Ao ouvir a voz de Catarina proferindo essa palavras, o ódio me dominou e não consegui ouvir uma sílaba a mais que fosse. Eu estava enojada, sentindo vontade de vomitar por tê-la beijado. Então era isso? Ela havia sido promovida como benefício pelo meu retorno para esse lugar? E pior, tudo sob o comando da minha própria mãe? Quem foi Judas perto de Catarina e Eduarda? Saí dali o mais rápido que consegui ansiando não mais voltar.

Catarina

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— Com todo respeito, só poderemos finalizá-lo quando a senhora entender que não estou a venda e acredito que muito menos sua filha. Não faça isso, não me transforme em uma oportunista. Não quero usar sua filha para obter lucros, cargos e regalias. Eu agradeço pela mudança de função e o aumento no salário, confesso que sempre sonhei com isso e sei que seu intuito maior não é me comprar, mas deixar Lara amparada, pagando o preço que for para trazê-la de volta para o jornal. — falei selecionando cada palavra, com medo de proferir qualquer coisa que ofendesse Eduarda. — Mas quero ressaltar que não estou a venda, o meu preço a senhora não pode pagar, pois minha consciência limpa não há valor monetário nenhum que pague. Eu preciso muito desse emprego, e acho que a senhora nem faz idéia do quanto, mas se não aceitar minha posição, serei obrigada a recorrer para a demissão. — eu sabia o quanto seria difícil colocar meu trabalho em risco, levando em conta o quanto preciso dele, mas eu precisava ficar de bem com minha consciência.

 — Você é realmente quem eu pensei que fosse. — ela disse andando pela sala sorridente, se aproximando. Seu sorriso era largo e singelo, contrariando o olhar enfurecido de outrora. Minha mente deu um nó e nada mais consegui entender. O que estava acontecendo afinal? O que significava aquele sorriso? Ela estava feliz com minha possível demissão? — Você é honesta e honrada e agora vejo o quanto tem caráter. Desculpe Catarina, eu não queria que fosse necessário te testar assim, mas entenda que sou sócia de uma das maiores empresas de comunicação do país e pessoas oportunistas estão por todos os lados tentando a todo custo uma aproximação para me derrubar na primeira oportunidade. Eu observo pessoas e uso de mecanismos avaliativos para selecionar aqueles que quero ao meu lado. Mas se com as pessoas que me cercam sou rígida, sou ainda mais para selecionar quem cerca minha filha. Você acabou de me provar que merece ter minha confiança. O aumento de salário, a promoção e todo o resto foi apenas um teste para ver seu caráter. Você mostrou ter uma índole invejável reafirmando o que eu já previa! — ela disse com um expressão tão acolhedora que eu apenas consegui sorrir aliviada. Aquelas palavras me tiraram um peso enorme das costas. Então era isso? Céus, que alivio! Agora posso olhar no fundo dos olhos de Lara e dize-la que o que ela sente é reciproco. Que ela não sente sozinha. Agora eu posso retribuir sem culpa. Sem chance para mais nenhuma palavra, agradeci aquelas palavras libertadoras e sai o mais depressa que pude para encontrar com Lara. Eu precisava toca-la outra vez, agora sem medo. 

L a r a - [ROMANCE LÉSBICO]Onde histórias criam vida. Descubra agora