56 - Calzone

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Lara

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A escola nunca me pareceu um ambiente muito amigável. Mas bom, nos últimos dias estava se superando ainda mais nesse quesito. Melissa praticamente nos trouxe arrastadas, e eu sinceramente não estava com o menor saco para encarar todos esses escarnecedores. Preferi não entrar na sala da diretoria, deixei que Melissa e Kiara resolvessem tudo, Mel era boa nisso e certamente o faria bem sem minha ajuda.

Sentei no refeitório e ignorei todos os comentários e cochichos sussurrados. Pedi um suco natural de laranjas e sentei em uma cadeira qualquer daquele lugar, com a certeza de que seja qual for a decisão da diretora, talvez não fosse tão ruim sair dali. O mais irônico é que faltava tão pouco tempo para eu finalmente me formar e mesmo assim soa como se fosse uma eternidade. 

Quando meu copo já estava quase na metade e meus pensamentos circulavam soltos, Arthur sentou-se na mesa com dois calzones de chocolate.

— Espero que ainda seja o seu favorito. — ele disse me estendendo a mão para me dar um dos calzones que havia outrora comprado. Fui pega de surpresa, e sinceramente, eu não sabia definir a presença dele ali era algo bom. De qualquer forma, bom, era um calzone. Não tenho forças suficiente para recusar um desses dando sopa na minha frente.

— Isso é golpe baixo. — falei rendida pegando o pequeno embrulho delicioso. 

— Posso sentar? — ele pediu já sentando. Acho que era uma daquelas perguntas retoricas. — Olha, eu sei que ainda deve estar brava comigo, mas entenda que não espalhei os boatos da sua "nova sexualidade" - ele fez aspas no ar- por mal, eu só estava com o ego ferido e fui tirar satisfações com quem estava ameaçando te tirar de mim. Confesso que no inicio senti mesmo muita raiva, rancor, me fiz milhões de perguntas sobre o porquê você havia desistido de nós, eu cheguei a pensar em mil maneiras de te reconquistar, mas no fim entendi que não valeria apena, pois você tomou sua decisão e não cabe mais a mim contesta-la. Eu não posso negar o quanto ainda te amo, Lara, o quanto ainda estou preso dentro de nossa historia, mas bem, você fez sua escolha. Não posso obriga-la a ficar comigo. Isso não condiz com meu caráter e tampouco, sentir que alguém está ao meu lado sem vontade me faria bem. Prefiro deixa-la livre para fazer suas escolhas, como diz um grande dizer popular " se é meu achará um modo de voltar para mim, e se não voltar é que de fato nunca me pertenceu". Não posso negar que saber da nova condição sexual me feriu o ego de homem, mas bom, cada um busca ser feliz ao seu modo, e tenho certeza que quando essa dor finalmente amenizar, eu também serei feliz. Tenho a certeza de que tudo que eu podia dar para que ficasse, eu dei. Carrego comigo a certeza de que fui um namorado presente, atencioso e extremamente apaixonado, mas se nada disso pareceu suficiente, não fui eu quem mais perdi. Quem sabe um dia, quando eu finalmente conseguir não me machucar com essa situação, eu possa erguer a cabeça e recomeçar, mas até lá sei que não será tão simples.

Arthur, eu não planejei que as coisas tomassem esse rumo. Eu juro que você seria minha escola se eu tivesse opção, mas eu me apaixonei e antes que eu pudesse fazer algo contra, eu já estava rendida. — fui sincera e senti em seus olhos o quanto estava o magoando. 

— Eu nunca imaginei que se sentisse assim em relação a Kiara. Vocês eram amigas, depois rivais, quando perdi o momento que se tornaram amantes? 

— Não seja tolo Arthur, isso não tem nada a ver com Kiara. O beijo que demos não significou nada. — respirei fundo e continuei a revelar, sem saber ao certo como ele receberia as próximas palavras — Eu me apaixonei por Catarina. E por mais que eu queira, não posso mudar o que sinto.

— A garota da valsa no seu aniversario? A amiga de Ariane? Então vocês já estavam juntas desde ali? — confesso que odiei o tom ameaçativo que ele usou. — Sabe, Lara? Após sentir todas as minhas esperanças de uma possível reconciliação se esvaírem, resolvi tomar coragem e confessar para minha mãe nosso abrupto fim. E a pior parte foi ter que lidar com a pergunta que ela proferiu: "O que de errado você fez, Arthur?" Como se fosse eu o culpado do nosso fim. Eu não entrei em detalhes, apenas afirmei que as vezes a vida nos faz seguir caminhos distintos aos daqueles que amamos, e creio que mesmo não compreendendo muito bem, me acolheu em um abraço reconfortante. E no fim, eu ainda tentei de verdade te entender, mas não dá. Seu egoísmo é implacável. Você feriu meus sentimentos, e me fez sentir como o pior de todos os homens. Foi extremamente fria e não levou em conta nada do que vivemos juntos. Como entender alguém assim?

Eu senti o ódio na expressão de Arthur e por mais que eu falasse que minha historia com Catarina só começou após o nosso fim, não bastava para ele acreditar. Suas palavras começaram a ficar agressivas e eu quis sair dali no mesmo instante. Peguei minha mochila, mordi o ultimo pedaço de calzone e sai o deixando falando sozinho, enquanto todos naquela droga de refeitório paravam para nos olhar. Creio que ser o tema das fofocas do colegial já estava se tornando minha especialidade. Ele tentou vir atrás de mim, me enchendo ainda mais com as palavras proferidas, mas me direcionei ao corredor e entrei o mais rápido que consegui na sala da direção escolar. Se fosse para enfrentar uma fera, melhor que fosse a mãe de Kiara. 

Arthur

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Os caras bonzinhos das historias sempre levam a pior. Do quê adianta bancar o padrão de moço compreensível e dedicado se no final tomamos sempre um pé na bunda. Porque os bons garotos são sempre trocados ou chifrados? Talvez se eu fosse como esses babacas brutamontes, ela tivesse me amado de verdade. Talvez se eu tivesse pisado nos sentimentos dela, ela tivesse valorizado-me de verdade. Para mim chega de bancar o compreensível, o superior, chega de ser sempre o certinho que aceita tudo calado. Não aceito mais ser ferido das mais egoistas maneiras, por caprichos de quem só se importa consigo mesma. Chega! 

L a r a - [ROMANCE LÉSBICO]Onde histórias criam vida. Descubra agora