Catarina
**
Quando nem bem chegamos, o caos na redação já estava a todo vapor. Minhas supervisoras fazendo as cobranças de sempre para que tudo saísse no horário devido e pedindo total agilidade nas atualizações de notícias das colunas onlines; eu amava essa atmosfera catastrófica que só uma redação de jornal podia trazer.
Contudo, entre todo esse caos, meu mundo girava lento e paciente, a cada vez que eu olhava ao meu lado e me deparava com a visão de Lara absorta em suas funções. Meu olhos pareciam ter imãs aos seus, pois não paravam de se encontrar. Incrivelmente, todas as vezes que eu a olhava, ela também já estava prontamente a me olhar, e após o encontro penetrante da ternura de nossos olhares, a timidez nos induz a desviar e buscar novas direções, mas como um vício, é um ciclo de intermináveis repetições, pois não resisto e sempre volto a olha-la.
Interrompendo toda aquela atmosfera de trocas de olhares, Ian bate na porta e informa que Maria Eduarda me quer em sua sala com urgência. Pergunto se Lara também deve ir e ele me deixa certa de que desta vez o assunto é apenas comigo.
— O que aprontei desta vez? — retruco para Lara e ela me responde com um olhar interrogativo também. Meu coração fica trêmulo e apreensivo. Não lembro de ter feito nada de errado.
Deixo para trás uma Lara serena e empenhada em suas atividades jornalísticas e me encaminho até a sala da administração para encontrar com Maria Eduarda. A incerteza do que me esperava era sufocante.
Diante do setor administrativo, dei algumas batidas na porta e esperei meu coração cessar dentro da caixa torácica.
— Entre. – ela disse com um sorriso receptivo quando me viu chegar. — E feche a porta por favor. – com a segunda frase fiquei ainda mais apreensiva, eles sempre nos mandam fechar a porta quando o assunto é realmente sério... Céus!
— Bom dia, Senhora. Posso ajuda-la em alguma coisa? – tentei ser o mais cordial possível, apesar do medo paralisante do que estava por vir. Será que ela irá me demitir?
— Você já ajudou bastante. Agora é a minha vez de retribuir. – ela disse completamente enigmática.
— Perdoe-me, senhora... Não estou conseguindo compreender. – usei da sinceridade. Todo aquele assunto estava cada vez mais estranho.
— Hoje minha filha retornou para suas atividades por vontade própria. Está criando responsabilidades, se empenhando no jornal e tomando gosto pelo patrimônio que tem nas mãos. Acredito que você foi uma peça importante nessa transição da Lara. Minha filha sempre foi uma garota extremamente inteligente, mas nunca tão aplicada. — ela levantou-se e caminhou pela sala. E eu até já tinha indícios do que estava prestes a acontecer. — Sabe, Catarina? Não esqueci do nosso acordo. Já inclusive mandei o administrativo fazer uma alteração na sua folha de pagamentos e provavelmente ainda esse mês você note o resultado. Seu salário aumentou em 80 %. Sabe o que isso quer dizer? Que agora você ganha mais que sua supervisora.
Eu estava completamente arrependida de ter aceitado esse acordo. Eu fiz porque queria mais do que ninguém ter Lara por perto novamente. A situação estava me fazendo sentir como uma completa mercenária. Tudo bem, eu preciso do dinheiro, com o salário de estagiária é difícil quitar todas as dividas, mas eu deveria ter buscado outros métodos. Afinal, que imagem Lara teria de mim se soubesse?
— Sei que concordei com isso, senhora. Mas acho que não será preciso alterar minha folha de pagamento. Eu fiz porque criei um carinho por sua filha, e apesar de precisar do dinheiro, não quero lucrar com o retorno de Lara. O único lucro que quero tirar disso é a felicidade de tê-la de volta por aqui. – falei sincera.
— Agora é tarde, Catarina. Seu ajuste salarial já está sendo processado, e você já deveria saber que cumpro com minhas palavras. E sim, eu sei do carinho que nutre por minha filha... Não sou ingênua; vi o modo como dançaram aquela valsa juntas. Você olha para minha filha do mesmo modo como eu olhava para Clara quando tinha sua idade. – o que ela estava insinuando afinal? Que eu estava apaixonada por sua filha? Essa história está indo longe demais. Ela não pode invadir meu espaço tanto assim. — Não quero que pense que não torço e não faço gosto nisso, pois faço e muito. Adoraria ter uma nota tão aplicada nos assuntos do jornal, e acho que você seria perfeita para fazer Lara se descobrir como jornalista, redatora, ou até colunista. Não me culpe por estar fazendo isso, mas é que minha filha ainda é só uma menina imatura, e eu como mãe preciso fazê-la encontrar seu caminho. Esse jornal é um patrimônio familiar que Lara precisa aprender a tomar gosto, para levar adiante. O jornal tem duas fundadoras, uma que está diante de ti, e Laura, sua tia, mas que não tem filhos. Lara é minha herdeira primogênita, ela precisa ser lembrada sobre suas responsabilidades, e creio que depois que ela te conheceu, ela está cada vez mais próxima desse mundo jornalístico.
— Desculpe interromper, senhora, mas o que queres dizer com isso? — é impressão minha ou Eduarda está tentando me comprar?
— Não vamos andar em círculos, Catarina. Tenho certeza que entendeu bem. Quero apenas dizer que faço gosto nessa relação. – era realmente só isso?
— Com todo respeito, senhora, sua filha tem um namorado e nós não temos nada além de amizade. Aquela valsa que dançamos juntas foi somente porque não encontravamos Arthur em lugar nenhum é então me dispus a ajudá-la. – lembrei atordoada.
— Nunca a vi olhando para ele como te olha. Menina, conheço minha filha desde quando ela usava fraudas. — ela sorriu imponente.
— Agradeço o seu voto de confiança, senhora, mas acho que isso é ela quem e eu quem devemos descobrir e não um assunto que deve ser pautado com antecedência. — eu estava me sentindo invadida.
— Meras formalidades, Senhorita Vidonni. – ela disse segura.
— Isso é tudo? Posso voltar para as minhas atividades? — eu precisava sair daquela atmosfera o quanto antes.
— Pode. Estás dispensada. – ao ouvir essas palavras, caminhei apressada até a porta... — espere, só mais uma coisa que esqueci de mencionar... — ela afirmou me fazendo parar na porta. E eu perguntei a mim mesma qual seria a próxima bomba. — Seria muito estranha ter que justificar uma estagiária ganhando seu novo salário, então resolvi te mudar de função. De hoje em diante não serás mais uma estagiária, estás promovida. Agora você compõe o quadro de profissionais efetivos do jornal. — ao ouvir essas palavras fiquei sem reação. Nada me veio a mente, nem mesmo uma resposta, a menor que fosse. Me limitei a sair da sala e caminhar para longe com o impacto daquela afirmação nas costas.
Parte de mim estava feliz. Um aumento de salário, uma promoção desta magnitude em um dos maiores jornais do país, quem não estaria pulando de alegria? Acontece que não é pelos meus esforços que estou alcançando tais patamares, esse é o problema. Saber que nada disso teria acontecido sem o retorno de Lara me deixa frustrada. Parte de mim acredita que não há nada de errado em unir o útil com o agradável, afinal agora todos estão felizes, inclusive ela com esse retorno... Mas parte de mim acredita que me deixar corromper fará de mim um ser humano do qual eu não me orgulharia em olhar no espelho. A incerteza do que fazer estava me matando aos poucos de forma vagarosa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
L a r a - [ROMANCE LÉSBICO]
RomanceAlguém lembra da bebezinha deste conto? Pois é, ela cresceu. O tempo passa rápido e não há tempo para cruzar os braços e esperar as horas passar, ele é tão veloz quando o piscar das suas pálpebras. Quarta temporada do romance lésbico - CLARA E DUDA.