45 - Clarice

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Lara

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Sai transtornada da redação. As palavras de Catarina entravam em minha mente como um eco cruel. Como ela pôde? Como minha mãe pôde? Os carros buzinavam, e eu atravessava as ruas como se não existissem leis de trânsito. Minha cabeça estava absorta demais para lembrar de faixa de pedestre, sinal vermelho ou qualquer coisa que fosse. Nas condições em que eu me encontrava, ser atropelada seria uma solução, não um problema. Eu queria sair, simplesmente sair e ir para qualquer lugar que fosse longe o bastante dali. Acelerei meus passos e quando me dei por conta já estava no meio daquele amontoado de carros e buzinas, ouvindo homens asquerosos xingando e me mandando sair dali. Ótimo, xingamentos para compor meu dia perfeito!

— Lara, por Deus, você está tentando se matar? – ouvi a voz de Clarice vociferar, enquanto cruzava a linha do Lee coffee e corria para o meu encontro. — Você não notou que o sinal estava aberto? Você quase foi atropelada! – ela veio correndo até mim, com um modelito com direito a uniforme e avental.

— Ser atropelada até que não seria nada mal. – falei enquanto minha voz era abafada por buzinas e mais buzinas.

— Dá pra largar essa poser de rainha do drama? Isso nem combina com você. Vem comigo antes que você seja atropelada? – Clarice disse segurando meu braço e saiu me arrastando.

— Dá pra largar a porra do meu braço? – falei ríspida.

— Dá para deixar de ser infantil e me explicar o que tá acontecendo? – Devolveu a rispidez. — Seja o que for, se jogar na frente de um carro não resolve.

— A sua droga de idéia de me fazer falar com minha mãe. Maldita hora que dei ouvidos! — reclamei.

— Brigou com sua mãe?

— Pior. Ouvi uma conversa entre Catarina e minha mãe e descobri que minha mãe comprou Catarina para me trazer de volta para esse inferno. – cada vez que eu tinha que voltar a lembrar desse assunto, o ódio me dominava.

— Vem? Vamos entrar ? Vou te preparar um bom café cremoso enquanto você me explica toda essa história. Não vou te deixar sair daqui de cabeça quente, pois do contrário você pode sair por aí atravessando as ruas arbitrariamente no meio dos carros outra vez.

— Você e sua mania de achar que tudo se resolve com café. – forcei um sorriso.

— Pode até não resolver, mas ajuda a digerir. – ela pontuou me puxando para dentro, nos abrigando na mesa mais reservada do local.

Catarina

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Voltei para minha sala ansiando encontrar Lara, mas ela não estava. Repentinamente ouço um barulho ensurdecedor de buzinas soando em algum lugar lá fora. Olho pela janela da minha sala para entender do que se tratava e dou de cara com a imagem de Lara completamente desnorteada atravessando fora da faixa de pedestre, enquanto carros ziguezagueavam para não bater de frente com ela. O que ela estava tentando fazer afinal? Se matar? O trânsito caótico do centro de Recife não foi feito para desafiar a lei da física sobre desaceleração. Olhei novamente, agora mais rapidamente e vi a atendente idiota do café se aproximar arrastando-a para o Lee coffee. Por mais que eu não goste nenhum pouco daquela menina, ao menos estou feliz que ela tenha tirado a ruiva da zona de perigo.

Com o coração oscilante, fechei as frestas da minha janela e corri para ir ao seu encontro. Eu precisava vê-la, conversar, sentir novamente sua presença por perto. Mas quando cheguei senti que eu era a peça sobrando ali. Lara envolvida nos braços daquela garota em um abraço cuidadoso e atencioso me despedaçou. Como ela podia me beijar e horas depois estar abraçada com tanta intimidade com outra? O que ela queria afinal? O mundo ao seu pés? Senti na expressão imponente da garçonete o quanto ela estava se sentindo vitoriosa sobre mim. Mas bom, ela já deveria saber que não tenho vocação para mosca morta. Sem pensar em mais nada, me vesti de coragem e fui até lá interromper a linda cena e exigir uma explicação.

L a r a - [ROMANCE LÉSBICO]Onde histórias criam vida. Descubra agora