O CHAMADO DAS SOMBRAS

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Toda noite, quando fecho os olhos, elas estão lá. Me esperando. Às vezes, é como se os olhos delas fossem um facho de luz que atravessasse a escuridão, chamando meu nome. E elas sussurram, baixinho, em coro, como se estivessem ensaiando há milênios: "Venha até nós, Felícia, doce menina...". Eu não sei o que elas querem de mim. Não sei nem quem elas são. Mas elas me querem. Eu sei disso, e é isso que me mantém acordada, com o coração acelerado, com o corpo congelado.

Tudo começou depois que meus pais compraram aquela casa. Uma casa velha, caída, no fim de uma rua empoeirada, como se a própria cidade tivesse se esquecido dela. Antes de mudarmos para lá, eu tinha o sono de uma princesa. Era fácil dormir. Tudo parecia tão... seguro. Mas agora, em cada noite, eu sentia um peso sobre mim, como se os próprios sonhos estivessem tentando me engolir.

O pior de tudo é que a cada noite, quando o silêncio se instala e as sombras começam a crescer, eu me vejo na mesma situação. Como um filme que nunca termina, uma gravação repetida. Sempre entre sombras e pesadelos, um pesadelo que não acaba, não importa o quanto eu tente. Elas me olham com aqueles olhos vermelhos, brilhando na escuridão. Olhos tão astutos, tão maliciosos, que parecem conhecer todos os meus medos, todos os meus segredos. E elas me querem. Elas me odeiam, mas me querem. E elas estão esperando. Sempre esperando.

Eu sei o que vou encontrar. Eu já estive lá antes, não é? Eu sei o que vem a seguir. O que é esse maldito lugar. O porão da casa. Aquela escada de madeira velha, rangendo sob os meus pés, que eu não consigo ignorar. Eu sempre sei que lá embaixo, nas profundezas da casa, no fim daquela escada podre e decadente, elas estarão me esperando, me observando. E não importa o quanto eu tente lutar, não importa o quanto eu me esforce para manter meus pés longe daquela escada, a cada noite, eu sempre desço. Como se fosse uma obrigação. Uma condenação.

Eu digo a mim mesma que é só um sonho. É só um maldito sonho, um pesadelo qualquer, e eu sou mais forte que isso. Eu tento resistir, tento gritar, tento acordar, mas... não consigo. Não consigo. Eu sou sempre uma garotinha, com sete anos, com os olhos grandes de medo, incapaz de fugir, incapaz de resistir. E é sempre assim: eu estou lá, no fundo da escada, no porão imundo, com as sombras rastejando ao meu redor. Eu sei que estou sonhando, mas eu não consigo acordar. Eu não consigo sair.

Mas o que mais me assusta, o que mais me perturba, é o fato de que eu nunca chego até o final. Eu desço aquelas escadas escuras, uma a uma, os degraus rangendo e protestando sob o peso do meu corpo, e a cada passo, a cada curva da escada, a sensação de que algo está me observando cresce. Algo que está me esperando. Eu nunca sei o que é, mas sei que está lá, aguardando. Eu não sei o que há no fundo da escada. Eu nunca chego até lá.

E então eu vejo elas. As aranhas.

Elas surgem como se fossem parte das próprias sombras. Eu posso senti-las antes de vê-las. Elas se movem, como se o próprio ar ao redor delas fosse um veneno, uma névoa espessa. E, por alguma razão, é como se eu soubesse que as aranhas não são apenas aranhas. Elas são algo mais. Elas sabem o que estou pensando. Elas sabem o que vou fazer. Elas estão esperando, esperando pelo momento certo para me prender, para me arrastar para a escuridão.

Elas não falam. Mas, de alguma forma, eu sei o que querem dizer. Elas me chamam. Elas me provocam. Elas me atraem para suas teias pegajosas, feitas de uma seda fria e cortante, como se estivessem tecendo a própria minha condenação. Eu tento gritar, mas minha boca está seca, o som se perde antes de sair. As aranhas estão lá, não importa o quanto eu tente me afastar, e a cada vez que eu tento fugir, elas estão mais perto, mais próximas, mais... reais.

Foi naquele momento que acordei. Ou ao menos pensei que tinha acordado.

Eu abri os olhos, esperando ver meu quarto familiar, com as paredes que eu conhecia, o cobertor acolhedor e seguro, mas a verdade era mais cruel. Eu não estava em minha cama. Eu não estava em casa. Eu estava lá, no maldito porão. O cheiro de umidade e mofo preenchia o ar. As sombras estavam ainda mais densas, ainda mais implacáveis. Eu estava presa ali, com as teias das aranhas envolvendo meus braços, minhas pernas, meu pescoço. Eu estava presa.

Eu olhei ao redor, desesperada, tentando me lembrar como havia chegado ali. Como isso se tornara real. As aranhas estavam mais perto agora, suas patas negras e espessas tocando minha pele. As sombras não eram mais apenas sombras. Elas estavam vivas. Elas se moviam, respiravam, se esticavam e se contorciam.

E então as vi. As figuras que me chamavam. Elas estavam ali, esperando, com aqueles olhos vermelhos, brilhando na escuridão. Seus rostos eram distorcidos, feios, com sorrisos tortos e maliciosos. Elas sussurravam meu nome, suas vozes um eco distante, como se estivessem dentro da minha mente. "Venha até nós, Felícia... doce menina..."

Eu tentei lutar. Eu tentei acordar. Mas, não importa o quanto eu tentasse, não importava o quanto eu me esforçasse para escapar... eu não podia. Eu não estava mais em controle. Eu estava presa no pesadelo.

E, no fundo do poço, eu soube: isso não era só um sonho.

Era o começo do fim.

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