- ̗̀ Capítulo 1ˎ'-

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Belle

       Eu sou alguém que viu o amor ir pra puta que pariu mais vezes do que é considerado humanamente saudável para uma jovem simples de Atlanta.
Foi quando finalmente decidi me tornar eu mesma a puta. Claro, não foi apenas o amor que se esvaiu em um mundo pós-apocalíptico, mas sempre que penso sobre isso, acabo me encontrando com apenas dois caminhos: ou atesto de vez minha insanidade, ou viro santa. Sendo a segunda alternativa a mais improvável.

       Faz cinco anos que vivo no Santuário, posso dizer que sou "esposa" de Negan, uma dás, melhor dizendo. Digo "esposa" entre aspas porque não é um título oficial, não é como se ele tivesse me entregue um anel de noivado e dito "parabéns, agora somos noivos", foi mais como: "Se você quiser ficar, prometo te proteger e cuidar de você e sua família". Para alguém que fazia rondas diárias, cuidava das vacas e lecionava para as crianças do posto avançado, enquanto lutava com zumbis ensandecidos, aquilo soou divinamente irrecusável. E é óbvio, para alguém que veio de uma família tida como traidora, aquilo era o mais longe que eu poderia chegar com vida. Naquele dia, os anjos celestiais gritaram "amém" e os pássaros cantaram ao ritmo de "halleluja". Ou quase isso.

- ̗̀ 𖥸 ˎ'-

       Negan, ou apenas "O homem", (também conhecido como: me fode enquanto eu tento me acostumar com a ideia de apocalipse no geral), me conheceu em circunstâncias extremamente específicas. Específicas ao ponto de que se eu fosse escrever sobre cada detalhe, daria um livro sobre uma trama política gerada por revolta, inveja e desejo de poder.

       A princípio, eu odiava Negan, detestava sua postura prepotente, complexo de Deus e arrogância desmedida. E, em algum grau, sei que ele me odiava também. Até então, não por culpa minha, não exatamente. Mas resumindo estupidamente a história: meu irmão mais velho, um dos supervisores do Posto Avançado III, pensou que se daria muito bem dando uma de tirano. Achou mesmo que conseguiria transformar aquele amontoado de trailers em uma comunidade sólida e próspera. Desafiou a autoridade de Negan, e no fim das contas, eu fui fadada a cumprir uma "pena" por um crime que eu não cometi e nunca aceitei participar, apenas para salvar a vida de Rob, meu irmão. Minha mãe jamais teria me perdoado se minha escolha fosse diferente, logo, me ofereci como escrava para salvá-lo.

- ̗̀ 𖥸 ˎ'-

       Isso foi há cinco anos, engana-se quem acredita que depois disso a minha vida foi a porra de um conto de fadas. Mas de fato, as coisas se tornam mais suportáveis com o passar dos anos. Na primeira vez que eu e Negan jantamos a sós, eu tive a mais completa certeza de que dali em diante a minha vida seria um completo caos e não havia como voltar atrás.
      Eu fui chamada ao quarto dele, a mesa estava posta, o aroma do espaguete inundou meu paladar e eu estava faminta. Trocamos uma ou duas palavras, ainda não havia tido a oportunidade de falar com ele após a saída do Posto Avançado III. Me sentei em silêncio enquanto o observei me servir um belo prato, mantive minha cabeça baixa e rezei para que aquilo não durasse mais que o necessário.

       — Por quê está tão calada? Não vai me dizer que se cansou de bancar a malcriada. — Indagou ele.

       — Achei que estivesse esperando você decidir meu destino. — Digo sem demonstrar nenhuma expressão.

       —  Bem, deixe-me ver. Me corrija se eu estiver errado... — disse ele de forma arrastada, enquanto coçava a barba sob o queixo ligeiramente inclinado com a unha de um longo dedo indicador. Um hábito inconsciente que eu conhecia bem. — Tenho motivos sólidos para crer que sua família é um maldito clã de traidores. Mas então, eu te dou uma oportunidade para não me ver gastando algumas balas neles, enquanto te preparo um belo espaguete, e ainda tenho que aturar sua cara emburrada?! Não mesmo! Das duas uma, — Ele ergueu dois dedos e os abaixou conforme explicava as alternativas. — opção A, eu posso decidir seu destino sozinho pelo jeito difícil. Ou opção B, podemos fazer isso juntos, do jeito fácil. Mas se quiser dessa forma, trate de pôr a porra de um sorriso nesse seu rostinho lindo. O que acha?! — Questionou ele enquanto levava um copo de bebida, que parecia ser whisky, a boca.

       Sabia exatamente o que ele queria com àquilo, mas eu estava disposta a frustrar todas as suas expectativas simplesmente não o respondendo e o ignorando.

      — Pretende mesmo comer em silêncio, como uma criança? — perguntou ele.

       — Não é isso que acredita que sou? Uma criança malcriada? — pergunto em tom de provocação.

       — Exatamente. Mas não pense que desaprovo sua ousadia, muito pelo contrário, eu diria que acho até... estimulante. — Disse ele em tom malicioso e eu engulo a seco.

       Continuei a mastigar o meu jantar sem fazer contato visual. Esperava qualquer ação dele como quem espera a morte. Naquele momento era indiferente. Pela minha visão periférica percebo que ele estava fitando meus movimentos ainda que inconscientemente. Senti meus lábios secos e passei a língua sobre eles. O olhar dele seguiu minha língua e percebi que sua respiração mudou. Minha ação simples claramente o deixou cativado.

       — Você tem sorte porque é gostosa. Por isso permito que seja tão insolente — Ele jogou a isca, provocativo.

        Sua frase interrompeu o percurso que o meu garfo faria até minha boca. Meu sangue ferveu, antes que pudesse me dar conta, eu havia mordido a isca.

       — Permite? — pergunto, repousando o talher sobre o prato — Muito bem, então, me vejo obrigada a dizer que se ao menos você tivesse motivos para ser tão vaidoso não pareceria tão ridículo.

        Ele sorriu e seus olhos, cor de avelã, possuíam um brilho inextinguível que queimava como brasas no inverno cinza. Deu mais um gole sucinto de sua bebida e disse:

       — Não me considere vaidoso, mas sim orgulhoso. Orgulho e vaidade, apesar de serem usados como sinônimos, se referem a questões diferentes. Vaidade é o que você deseja que outras pessoas achem de você. Orgulho é a sua opinião sobre si mesmo.  E eu tenho motivos de sobra para me sentir orgulhoso. A cadeira que você está sentada pertence a mim, a comida que come pertence a mim, a bebida que tem servida em seu copo pertence a mim, o ar que você respira num raio de 25 km pertence a mim. E adivinhe, você está inclusa nessa lista.

       Ele pegou o guardanapo – o guardanapo dele – e o pôs sobre seu colo.

       — Admito que essa última parte da lista é o que mais me enche de orgulho. — Ele disse em tom jocoso.

       — Eu não sou uma "coisa", tão pouco sou sua. — respondi prontamente. — Foda-se você.

       — Proteste o quanto quiser, você será minha. — A suavidade com que ele proferiu aquelas sete palavras revirou meu estômago.

       Nos encaramos com a tranquilidade de velhos inimigos. Não havia se passado mais que algumas poucas horas que estávamos juntos, contudo, eu já havia percebido uma falha naquele homem enorme que parecia ter sido forjado com metais pesados. Uma falha que fazia dele a pior das mentiras. Eu sorri, e digo com uma calma fingida:

       — Qual o seu problema? — pergunto. — Não encare isso como um insulto e sim como um questionamento sincero.

             Ele me olhou confuso.

       — Você é um homem enorme, possui um poder relativo, é um líder quase que divino, as pessoas deste lugar vivem em uma punhetação eterna por você. Mas ainda sim... — Digo levando a minha taça de água à boca. — Duvido que as mulheres que encontrei no seu "harém" realmente querem dar pra você. É digno de pena.

       Ele me olhou um tanto surpreso. Nada do que eu dissesse arrancaria aquele maldito sorriso de sua face.

       — A quê, exatamente, você estava se referindo quando disse que sou enorme? — eu gelei. — Não foi isso que disse?! — Disse ele com um ar convencido.

       Minha ficha demorou a cair, ele estava mesmo se comportando como um adolescente excitado que sempre tenta encaixar um duplo sentido em tudo?!

       Revirei os olhos e o ignorei durante todo o jantar.

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𝐕𝐚𝐝𝐢𝐚 𝐚𝐟𝐞𝐭𝐢𝐯𝐚Onde histórias criam vida. Descubra agora