- ̗̀ Capítulo 8 ˎ'-

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- ̗̀ 𖥸 ˎ'-

"Só existe uma coisa mais cruel do que pôr um pássaro em uma gaiola minúscula: colocá-lo em uma gaiola grande o suficiente para fazê-lo pensar que está voando."

       Minha mãe costumava me dizer essa frase, e só agora, tão longe dela, eu percebo que essa não era mais uma daquelas bobagens que ela dizia quando estava meio alta após ter tomado algumas taças de vinho.
Eu sou um pássaro que não nasceu em cativeiro, voei por todos os tons de azul, rosa salmão e cinza ardósia dos céus que pude, enquanto gozava de minha plena liberdade. Mas isso foi tomado de mim abruptamente pelo destino, e agora, eu não consigo me regozijar com fragmentos sintéticos de liberdade.
       A satisfação de fingir que tenho controle sobre algo, não existe mais desde a noite anterior, porque não consigo nem me controlar para não desejar a pessoa que eu deveria detestar. E após ter sentido o gosto do meu próprio veneno, de ser provocada e instigada até o meu limite e não receber nada no final, percebo que não consigo nem foder com quem desejo ardentemente.

     


- ̗̀ 𖥸 ˎ'-

       À medida que o hemisfério Norte se afasta do Sol, as noites prolongadas e os dias cada vez mais curtos parecem um castigo projetado especificamente para mim. Ventos fortes trazem uma chuva fina e neblina, assobiam através das árvores e batem nas vidraças. Folhas que eram verdes na semana passada assumem uma cor alaranjada e se acumulam no chão de concreto.
      Eu estava gastando toda minha energia evitando Negan, afastando aqueles desejos odiosos. Tinha que admitir, as coisas estavam saindo do meu controle.
Fazia semanas desde a última vez que Negan e eu trocamos mais que duas palavras. Eu recuava todas às vezes que ele tentava iniciar diálogos não monossilábicos, e se Negan fosse um homem minimamente decente, depois de alguns dias falando quase que exclusivamente sozinho, teria desistido.

       Mas, certamente, não foi o que ele fez.

- ̗̀ 𖥸 ˎ'-

       Certa noite, eu me peguei pensando enfaticamente que não tinha visto Negan durante um dia inteiro. Estranhei o fato dele perder a oportunidade de me atormentar.
       Sentindo-me segura o bastante para caminhar pelos corredores do Santuário, levantei de minha cama quente e caminhei em direção a cozinha, precisava mastigar algo até minha vida voltar a fazer sentido.

       Alguns corredores antes do meu destino eu travei, ouvi gritos furiosos de uma voz masculina conhecida, depois pancadas estrondosas em alguma superfície metálica, fui instintivamente levada a procurar de onde vinha aquele som.
       Meus olhos foram rapidamente guiados até a fresta da porta da sala de reuniões, cedendo a minha curiosidade eu me esgueirei para tentar enxergar o que acontecia lá dentro. Vi Negan de pé em frente a mesa, com as duas mãos espalmadas na mesa retangular de metal gélido e reluzente, com uma postura interrogativa e ameaçadora. Os outros homens sentados ao redor da mesa mantinham suas cabeças baixas enquanto o ouviam apreensivos. Com um tom absurdamente sério e profundo Negan convoca Simon para iniciar alguma explicação do que quer que fosse o assunto. Simon, por sua vez, falou tão baixo que parecia um cachorro miseravelmente arrependido por estragar o sofá de seu dono, sequer consegui compreende-lo. Impaciente, Negan toma Lucille e a bate com violência na mesa, voltando a causar o angustiante barulho que eu havia ouvido antes, enquanto explica pela milésima vez que "pessoas (!) são (!) recurso (!)" e relembrou Simon de quem ele era, a quem ele pertencia e para quem ele trabalhava.

       Eu engoli em seco.

       E assim que sentiu que todos do recinto haviam assimilado as suas palavras, ele finalmente repousa lucille em sobre a mesa, arrumou sua postura, sua superioridade fez o oxigênio ao seu redor se tornar estático e carregado, difícil de respirar para todos ali, o vi franzindo a testa, penteando nervosamente o cabelo preto para trás com sua uma mão grande e com veias saltadas, o olhar escuro brilhando por baixo das sobrancelhas espessas deslizou até minha direção.
       Assustada por "ter sido pega" espionando, fugi, completamente corada e formigando. A adrenalina fez meu coração palpitar mais rápido. Busquei refúgio em meu quarto me sentindo completamente patética, lutei para me acalmar, tentando esquecer aquele olhar, aquela voz, aquele dia. E ao formar dez frases diferentes que explicassem o ocorrido o mais dignamente possível, eu desisti. Fingiria simplesmente que aquilo não havia acontecido. Dias se passaram sem que ele finalmente me confrontasse sobre o ocorrido.

       E eu não tive paz desde então.

       Foi completamente ridículo, mas ficou a impressão de que eu havia testemunhado algo íntimo, até mesmo obsceno. Minha imaginação, sempre prestativa, conjurava incessantemente a imagem daquele momento a cada vez que eu piscava os olhos, como uma maldição.

       O ignorar não era mais o suficiente, tão pouco mais fácil.

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𝐕𝐚𝐝𝐢𝐚 𝐚𝐟𝐞𝐭𝐢𝐯𝐚Onde histórias criam vida. Descubra agora