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A minha miséria chegou ao ápice na manhã do dia seguinte. Fui acordada por Lucy e a sua tomada de controle radical da lavandaria, fenômeno que ocorre uma vez por ano, e isso é tudo que vou dizer.
Para completar, as únicas roupas que ela me deixou me faziam parecer uma colegial safada. Uma camisa justa de botões e uma mini saia plissada de cor azul-bebê.Tomei um banho para terminar de despertar e me vendo sem outras opções, vesti as benditas roupas, mesmo me sentindo absolutamente ridícula ao ter que me certificar a cada passo se minha saia não estaria "revelando demais".
Não iria deixar aquele pequeno empecilho estragar meu dia, por isso, continuei tentando iniciar minha rotina normalmente. Preparei o meu café e segui com ele até a sala de estar. Fazia um frio congelante e uma neblina densa rodeava a propriedade central do Santuário, pois, havia chovido bastante durante a madrugada. Decido que seria bom ficar próxima a lareira e tomar o meu café enquanto desfrutava da companhia de Freud, em seu livro mais célebre. Um dia menos estressante, era tudo que eu pedia aos céus.
Para a minha surpresa, mesmo tão cedo a lareira já estava acesa, as luzes da sala ainda estavam apagadas, por isso, toda iluminação vinha pelas janelas — todas abertas, por sinal — gerando um contraste suave entre a luz reconfortante e alaranjada das brasas e da luz branca natural e apática que vinha do céu carregado de nuvens acinzentadas. Nada se ouvia no ambiente a não ser o estalar baixo constante da lenha queimando lentamente na lareira de pedra.
Havia duas poltronas em frente a lareira. Uma de frente para a outra, e no meio delas havia uma mesinha de centro de carvalho, percebi que Negan estava sentado confortavelmente em uma delas enquanto lia um livro.
Aparentemente, por conta do clima imprevisível, ele decidira que não sairia do Santuário naquela manhã e impediu as rondas e coletas por tempo indeterminado, e por ora, eu podia respirar aliviada sabendo que nada aconteceria com Rob, pelo menos por enquanto.
Eu o analisei por inteiro, ele usava uma calça de moletom clara, uma camiseta branca e seus óculos de armação escura, seus pés completamente espalmados no chão, apontados para a direção da outra poltrona como revólveres em um filme de faroeste. De repente me pego pensando que, por conta da minha baixa estatura, jamais conseguiria me sentar daquela forma, uma vez que meus pés mal tocavam o chão quando me sentava na borda da poltrona.
Sua concentração foi irremediavelmente quebrada quando ele se dá conta da minha presença. Ele não parecia ter dormido nadinha na noite anterior, e eu quase me sensibilizei com a cena, - quase.
Negan me olhou de cima a baixo, seus olhos deslizaram por todo o meu corpo, e ele engoliu a seco. Vi seus olhos brilharem enquanto eu caminhava em sua direção, ele me encarava como se eu o tivesse deixado completamente sem ar, mas se manteve hesitante. Não sabia se falava comigo ou se mantinha uma distância segura.
— Tinkerbell... — Ele me chama por hábito, em um tom baixo.
Eu o ignoro, mas ele insiste, até que eu finalmente respiro fundo e respondo:
— Não conheço ninguém com esse nome ridículo. — Digo com o frio desinteresse de uma mulher desprezada.
Me sentei na poltrona à sua frente, ou melhor, me deitei nela, de modo que a parte detrás dos meus joelhos ficaram descansadas sobre um dos apoios de braço e a minha cabeça se acomodou na outra extremidade, em seu encosto estofado e macio, aconchegando-me e sentindo-me acalentada pelo calor agradável da lareira. Depositei minha caneca de café sobre a mesinha de centro, ao alcance da minha mão e abri meu livro onde havia parado.
— Belle... — Ele corrigiu. — Sobre ontem à noite, eu... — Ele iniciou ainda hesitante.
Eu resolvo lançar mão da frase que eu li em um livro de autoajuda, muito indicada para evitar conflitos:
— Não quero falar sobre isso. — Eu o interrompi, em um tom seco, sem nem ao menos direcionar um olhar para ele.
— Tudo bem, quando você quiser... Sei que está chateada e tem todo o direito de estar. Vou respeitar o seu tempo. — disse ele, meio a contragosto.
— Finja que eu nem estou aqui. — Digo com a fria satisfação da vingança da mulher desprezada para a qual ele voltava, rastejando.
Continuei a ler meu livro, virando as páginas calmamente conforme avançava a leitura. No começo eu fingia não perceber o olhar de Negan sobre mim, e passado algum tempo, assim que meus olhos se encontravam com os dele, ele imediatamente desviava envergonhado e fingia concentração em seu livro. Vez ou outra, eu o sentia olhar fixamente para mim, mas quando ele mesmo se dava conta do quão predatório e assustador isso parecia, ele rapidamente desviava o foco, como se subitamente voltasse para a realidade após alguns instantes, como se estivesse sonhando acordado. E, por um breve momento, eu tive a leve sensação de saber perfeitamente o conteúdo de seus sonhos e não pude evitar de corar.
Percebi que quando eu alinhava a saia, descendo-a um pouquinho, sua respiração até mudava o ritmo. Honestamente, era divertido vê-lo naquele estado, por isso permiti que ele continuasse me observando e não só isso, também passei a me insinuar indiretamente.
Mas o meu problema é que eu não sei quando parar.
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𝐕𝐚𝐝𝐢𝐚 𝐚𝐟𝐞𝐭𝐢𝐯𝐚
ChickLitBelle descobriu que amar e odiar alguém são duas coisas perturbadoramente parecidas. Negan, por sua vez, descobriu na prática que o contrário de amor não é ódio e sim indiferença. Um cretino convicto e uma mulher geniosa (e um tanto dramática), vive...