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Negan
A noite fria anunciava o começo do inverno, a primeira neve do ano cairia pela manhã. Naquela região esfriava o suficiente para ter neve, mas não ao ponto de nos congelar vivos, era só um pouco mais agradável que isso. Eu observava pela janela, a geada que começava a cristalizar os galhos dos topos das árvores esqueléticas no horizonte, quando sou violentamente arrancado de meus diálogos internos e constatações sobre o clima. Kara bate seu punho na mesa pela primeira vez, com uma violência estrondosa.
— Você vai se arrepender amargamente pelo que está fazendo comigo, Negan! — Kara esbravejou.
Eu girava uma caneta por entre os dedos enquanto observava Kara quase subir pelas paredes após eu explicar pela milésima vez que eu não iria ceder as suas vontades. Eu percebia que seu surto era muito mais para extravasar do que para me intimidar, propriamente. E apesar de compreender o poço de frustração que Kara havia se tornado, escolhi não dar o poder a ela de tomar decisões no meu lugar.
— E o que eu estou fazendo com você? — Mantive minha voz baixa porém profunda. — Te impedindo de iniciar uma guerra? De causar mais mortes? Tentando te manter viva? Pelo quê está me culpando exatamente?
O silêncio que se seguiu foi incômodo, mas o ar de acusação dela permaneceu. Os olhos dela estavam flamejantes, sua maquiagem escura ficara levemente borrada nos cantos dos olhos, a deixando com um olhar mais cansado e irritado.
— Você tem um mês para resolver isso. — Kara ergueu o dedo indicador com ódio. — Um mês, para me apresentar um resultado satisfatório. Caso contrário eu assumo daqui em diante.
Eu ergui as sobrancelhas, desacreditado com sua ousadia, mas não muito. O resultado satisfatório na qual ela se referia era a cabeça de Rob numa estaca e o controle total e absoluto da comunidade na qual ele fazia parte.
— Acha mesmo que suas ameaças mudarão essa merda toda? — Pergunto franzindo as sobrancelhas seriamente, recostando minhas costas na cadeira. — Acha que eu me divirto com essa situação?
— Eu perdi tudo que eu tinha porque você se recusou a matar aquele desgraçado, só pra não se indispor com a sua putinha. E quer saber?! Eu continuei do seu lado após essa escolha estúpida, mas tudo tem limite. — Sua voz saía entrecortada e quase chorosa.
O poder que eu costumava a atribuir a imagem de Kara agora se esvaía conforme os ecos de sua voz estridente martelavam em minha mente, dando lugar a um sentimento de pena horrível.
— Kara... — Eu respiro fundo. — Entendo o seu ódio, estou do seu lado e vou resolver essa porra. Mas não do jeito que você quer, porque o seu jeito vai matar todos nós. Não sabemos com que tipo de gente estamos lidando, precisamos ter cautela...
— Não fode. — Ela me cortou no meio da frase. — Eu vi o meu povo virar merda por sua causa. O tanto que eu te avisei sobre os saqueadores e você preferiu fechar seus olhos para... Não! Escute. Agora você quer ter cautela? Não! Eu vou matar Rob, e se você não estiver de acordo, pau no seu cu, eu vou matar você também.
Dizendo isso ela sai da sala de reuniões e bate a porta com toda sua fúria, o som de seus passos pesados eram intensificados por suas botas sintéticas e ecoaram por um longo tempo na minha cabeça. Eu respirei fundo. Kara tinha passado por um monte de merdas nos últimos meses, precisava dar esse desconto a ela. O ódio dela não era infundado e eu compartilhava dele também, mas o que me deixava exasperado e o que nos impedia de entrar em comum acordo, era o modo como ela era imediatista, radical e inconsequente.
Talvez eu seja um sociopata fudido que gosta de ter tudo calculado mesmo diante desse tipo de tragédia, e Kara só não tenha esse sangue frio a ponto de me compreender. Ou talvez, Kara só esteja tão cega pelo desejo de vingança que não consegue compreender que aquilo não traria satisfação à longo prazo, e sim mais dor e morte de gente inocente. Meu corpo inteiro formigava de raiva, bati meu punho na mesa numa tentativa inútil de aliviar meu estresse, mas tudo que consigo ficar é cada vez mais puto. Dentro de poucas horas eu teria uma reunião com Simon e um grupo de líderes de outras comunidades para decidir o que faríamos com a nossa nova pedra no sapato: Alexandria.
Eu estava debruçado sobre meu trabalho, terminando de organizar os mapas e fazendo algumas anotações. Não podia esquecer nem por um segundo que pessoas dependiam de mim. E que não importava o quanto eu gostaria de simplesmente eliminar cada um dos que se opunham ao meu sistema, e fazê-lo da pior forma possível apenas para restaurar e estabelecer a paz. Nada impensado ou desmedido me traria o que eu queria. Eu poderia simplesmente esmagar o crânio do meu cunhadinho e do novo imbecil que ele escolheu para sugar, (vulgo líder de Alexandria, Rick) e fazê-los servir de aviso para cada ser humano vivo ali presente, como uma maldita caça as bruxas, tal qual Kara idealizou e me impôs. Mas como toda maldita ação tem sua reação, é de se esperar que a morte de um líder cause certa... Vejamos... Comoção popular. Que por sua vez causaria mais revolta, motim e gritaria. E o que eu menos almejo é uma guerra sem sentido neste momento.
Me sentia impotente como um arquiteto de ruínas ao me deparar com tudo que eu construí sendo abertamente ameaçado por um grupelho de mortos de fome, e dessa vez eu nem me referia aos zumbis. Aquela tinha se tornado uma disputa de poder que não valia a pena para mim, não havia ganhos, mas sim a possibilidadede muitas perdas, e perder meu pessoal por aquilo era algo inaceitável, e era óbvio que eu iria revidar. Abrir a cabeça de pessoas é mais fácil quando se usa um taco de baseball, mas é um pouco mais complicado de fazê-lo no campo das ideias. Kara estava irracional e cercada por raiva e rancor, mas deixar-se levar por sentimentos assim em uma guerrilha é a pior escolha se o seu intuito é salvar pessoas.
Kara, ao contrário de mim não possui ninguém para salvar. Seu único norte é a satisfação fugaz da vingança. Mas eu não vou me arriscar a perder mais homens e mais recursos por um capricho dela. Não era assim que as coisas funcionavam e não é assim que vão funcionar agora.
Quem continua sendo o caralho do HOMEM nessa porra sou EU e não tem ninguém acima de mim, nem vai ter. Nem hoje. Nem amanhã. Nem nunca!
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Encurralar animais desorientados é uma coisa, encurralar um grupo grande de pessoas com uma organização própria e um sistema bem definido é um pouco mais complicado e exige um pouco mais de esforço e planejamento.
Kara não conseguia entender esses conceitos básicos.
Eu sabia que cedo ou tarde Alexandria seria um problema para mim, com ou sem Rob, essa é a realidade.
Tudo que me restava agora era garantir que o maior número de vidas fossem salvas, com uma abordagem eficiente e rápida. Uma vez que um problema do passado se juntou com um problema do futuro, transformando o presente em uma grande bola de merda. E quando eu acho que não existe a possibilidade de ficar pior...
Belle bate na porta da sala de reuniões e adentra o ambiente antes que eu pudesse fazer algo.Eu não tenho um minuto de paz nesse caralho. — pensei.
Eu olho para o teto com a minha já tradicional cara de Deus-me-dê-forças.
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𝐕𝐚𝐝𝐢𝐚 𝐚𝐟𝐞𝐭𝐢𝐯𝐚
Chick-LitBelle descobriu que amar e odiar alguém são duas coisas perturbadoramente parecidas. Negan, por sua vez, descobriu na prática que o contrário de amor não é ódio e sim indiferença. Um cretino convicto e uma mulher geniosa (e um tanto dramática), vive...